O histórico serviço postal do Reino Unido, a Royal Mail, está a ser acusado de simular tentativas de entrega de encomendas para que as metas de que dependem os bónus salariais das chefias sejam atingidas. A empresa rejeita, mas diz que o mau tempo nalgumas regiões pode ter prejudicado as entregas.
Segundo o The Telegraph, vários trabalhadores alegam ter sido instruídos a registar algumas encomendas como “inacessíveis” mesmo sem terem tentado fazer a entrega, o que poderá ter impossibilitado a entrega de várias encomendas natalícias. Este registo faz com que os clientes recebam um email a informá-los de que houve uma tentativa de entrega e que outra tentativa será feita no dia seguinte, mas um funcionário relatou ao jornal que isso acaba por não acontecer em muitos casos.
Segundo o jornal britânico, vários clientes têm relatado ter recebido emails com a indicação de “tentativa de entrega”, apesar de nenhum trabalhador se ter deslocado à sua casa ou de não terem nenhum registo dessas alegadas visitas nas suas câmaras de videovigilância.
Um dos funcionários disse ter ouvido superiores a pedirem que as encomendas fossem registadas como “inacessíveis” “três ou quatro vezes” no último mês, mas garante ter recusado fazê-lo. Um outro trabalhador conta que na área rural pela qual é responsável tinha 30 a 40 encomendas que, pela falta de tempo ao final de cada dia, não era possível entregar. “Disseram-nos para as registarmos como ‘inacessível’”.
O objetivo desta prática seria garantir aos gestores das operações o bónus relativo a meio ano de trabalho. Esse bónus estará dependente de uma meta que inclui o número de encomendas que saem dos armazéns da Royal Mail (e não as que são efetivamente entregues).
Outro funcionário queixa-se da falta de pessoal e de uma grande rotatividade de trabalhadores. Na segunda-feira, o ministro com a pasta dos correios, Justin Madders, apelou à Royal Mail para investigar as alegações.
Segundo o The Telegrah, os anúncios de emprego para as posições de chefias na área de operações preveem um salário entre 44.500 libras por ano (mais de 53 mil euros) a 49 mil libras (59 mil euros), assim como um bónus de 10% dependente de metas. Isso significa que podem chegar a receber de bónus 4.900 libras (cerca de 5.900 euros) ao ano se todos os objetivos forem cumpridos. Já os carteiros recebem cerca de 200 libras (cerca de 240 euros) em dois pagamentos (de 100 libras cada um).
Um porta-voz da Royal Mail rejeitou ter registo de atrasos generalizados nesta época de Natal e adiantou que no ano passado mais de 99% das encomendas efetuadas antes das últimas datas de envio (para entrega atempada) chegaram antes do Natal. “Este ano estamos bem preparados para o conseguir novamente”, assegurou.
E acrescentou: “Não há nenhum incentivo de bónus que encoraje a não entrega de encomendas (…). Uma encomenda só será identificada como ‘inacessível’ se não for possível aceder ao edifício, se não for seguro ou se o tempo adverso impedir a entrega — como tem sido o caso com o mau tempo recente em algumas das áreas referidas nos relatos”.
O regulador britânico Ofcom já instruiu a Royal Mail a melhorar o serviço, que apresentou planos de melhoria em maio deste ano. Este mês, a empresa foi mesmo multada em 10,5 milhões de libras por não cumprir as metas de entrega postal para o ano financeiro de 2023-24. Foi a segunda multa que recebeu num período de dois anos, depois de uma primeira de 5.600 milhões de libras em novembro de 2023.
Na semana passada, o Governo britânico autorizou a venda da International Distribution Services (IDS), proprietária da Royal Mail ao multimilionário checo Daniel Kretinsky por 3.600 milhões de libras.
O Royal Mail continua a ser o serviço postal mais usado no Reino Unido, mas caiu muito entre 2020 e 2022 (de 34% para 25%, enquanto a Amazon Logistics, que está em segundo lugar, cresceu de 15% para 17%).