O plano dos coordenadores do projeto-piloto está dividido em três eixos: experimentar, incentivar e legislar. No primeiro, sugerem manter ou expandir o projeto-piloto no setor privado e esperam que avance também no setor público, com um “processo de desburocratização explícito, que limitaria a necessidade de contratação adicional”. Recomendam, mesmo, um teste num hospital para o qual seria necessário “um investimento inicial em contratações adicionais”, mas permitiria poupanças ao nível das horas extraordinárias, na gestão hospitalar, na ocorrência de negligência ou erros médicos ou nos níveis de esgotamento entre médico, segundo acreditam.
Na lista de sugestões estão ainda incentivos a testes em grandes empresas, que podem partir de pressão exercida pelos governos ou pelas comissões de trabalhadores; assim como experiências setoriais, admitindo apoios técnico e financeiro por parte do Estado; e municipais, deixando um repto ao governo dos Açores. “Porque não realizar um teste numa das ilhas?”
Mas vão mais longe, sugerindo que seja replicado o modelo implementado temporariamente em Valência, Espanha, que em abril do ano passado aproveitou três feriados em segundas-feiras seguidas e instaurou provisoriamente outro feriado na segunda-feira seguinte para, assim, testar durante um mês a semana de quatro dias. Assim, defendem, seria possível aferir efeitos mais reais do impacto da semana de quatro dias na economia e na sociedade. No caso português, fazem a proposta “mais ousada” de, em 2028, concentrar todos os feriados nacionais e regionais (com exceção do Ano Novo e do Natal) nas sextas-feiras dos meses de abril, maio e junho, o que implicaria a ausência de outros feriados ao longo do ano.
“Apesar de poder gerar algum desconforto, devido ao peso histórico e cultural dos feriados, esta alteração permitiria uma experimentação em larga escala, com uma redução mínima do número de dias de trabalho ao longo do ano e sem grandes custos financeiros”, argumentam. Na campanha das legislativas passadas, o Livre e o PAN tinham propostas em sentido semelhante (não totalmente igual, uma vez que Rui Tavares recusou mexer no 25 de abril ou no 1.º de maio).
Uma medida por dia. Seria benéfico “rearrumar” feriados para termos semanas de quatro dias?
Na proposta da coordenação do projeto-piloto, as empresas seriam obrigadas a desenvolver um plano para o funcionamento durante esse trimestre. Esta opção é a que “mais se assemelha à implementação por legislação”. Para tal, reconhecem que seria necessário um “amplo consenso político e social”.
Já no eixo dos incentivos — para o qual se deve avançar após “um período largo de experimentação” — cabem medidas com despesa orçamental “significativa” pelo que exigem “muita prudência e uma análise de custo-benefício rigorosa”. Ao nível do trabalhador, defendem que seja facilitado o acesso ao trabalho a tempo parcial ou à semana concentrada, que já existe no código do trabalho português, desde que por mútuo acordo. Parte da redução salarial, no caso da transição para tempo parcial, seria compensada com um benefício fiscal para que o trabalhador não perdesse mais de 20% do salário.
Por outro lado, querem que os pais com filhos com menos de um ou dois anos, ou os trabalhadores com mais de 50 anos, possam optar pelo trabalho a tempo parcial (80%), com “compensação salarial significativa pela redução de horas.
Já ao nível das empresas, sugerem um regime fiscal mais favorável às que implementem a semana de quatro dias com uma carga horária de 32 horas, que pode incluir a redução de impostos ou a concessão de créditos fiscais temporariamente, bem como subsídios diretos para compensar as despesas iniciais da transição. Também colocam em cima da mesa a possibilidade de isentar temporariamente as empresas de certas regulamentações ou “obrigações burocráticas” relacionadas com o tempo de trabalho.
No eixo da legislação, falam em alterações ao código do trabalho para regulamentar a semana de quatro dias “nas suas diferentes modalidades”, uma etapa que deve preceder a formulação dos incentivos fiscais. As mexidas na lei devem chegar aos limites máximos de horas semanais, argumentam, frisando que a legislação deve proteger, numa primeira fase, as pequenas e médias empresas e deve prever um período alargado para a entrada em vigor.
“Acreditamos que o plano é exequível, embora seja exigente e necessite de ações imediatas“, defendem Pedro Gomes e Rita Fontinha, que apresentam uma calendarização até 2034.
A maioria (75%) das participantes no projeto-piloto adotado por 21 empresas entre junho e novembro do ano passado, com o apoio de Pedro Gomes e Rita Fontinha, o IEFP e a associação sem fins lucrativos 4 Day Week Global, fizeram, pelo menos, uma mudança organizacional. A mais frequente foi a diminuição do número e da duração das reuniões. Os coordenadores explicam que várias empresas criaram “blocos de trabalho” ao longo do dia, enquanto outras adotaram ou aprofundaram conhecimentos de software de ferramentas organizacionais e outras automatizaram ou eliminaram processos.
Pedro Gomes: “Numa semana de quatro dias pode haver pessoas que queiram monetizar” o dia livre
“Muitos dos problemas atuais das empresas estão relacionadas com os múltiplos canais de comunicação: emails, reuniões, telefonemas, WhatsApp, ou software de gestão, que se sobrepõem criando fricções na transmissão de informação”, defendem. Houve empresas que criaram um guia de comunicação, “empenhando-se na organização e documentação de informação que permita o acesso assíncrono a qualquer trabalhador sem necessitar de interromper ou envolver colegas”. Outras mudanças incluíram ajustes na calendarização de reuniões com clientes ou fornecedores, ou formação em gestão de tempo.
Mais de um terço das empresas sentiram dificuldade em alterar a cultura interna para evitar o desperdício de tempo. “A semana de quatro dias obriga todos a terem uma relação diferente com o tempo – a respeitar mais o seu tempo e o tempo dos seus colegas – e é preciso alterar vários hábitos existentes como: as longas pausas para café ou almoço, o chegar tarde a reuniões, ou interromper o colega para falar de futebol”, apontam os dois especialistas.
A maioria (60%) dos gestores entrevistados não identificaram poupanças significativas na implementação do modelo do ponto de vista da empresa. Nos restantes 40%, vários apontaram uma redução nos gastos com água, eletricidade, café ou mesmo papel. E houve “algumas” empresas que suspenderam benefícios existentes, como aulas de pilates ou o pagamento de passes de transporte público. Além da definição de métricas de produtividade, outra dificuldade comum foi a gestão das equipas durante os períodos de férias (até porque a primeira metade do teste ocorreu em julho e agosto, meses de verão).
O projeto-piloto não significou o mesmo modelo para todas as empresas. De fora ficaram, por exemplo, aquelas que oferecem uma semana de 36 horas de trabalho com a tarde de sexta-feira livre porque “acreditamos que esta opção, embora meritória, não é transformadora, quer para a empresa (não força mudanças organizacionais e as horas no trabalho à sexta-feira de manhã são pouco produtivas), quer para os trabalhadores (têm de se deslocar ao trabalho e não ‘desligam’)”. De fora ficaram também empresas com 40 horas distribuídas pelos quatro dias (um modelo, já previsto na lei, conhecido como semana de trabalho concentrada ou comprimida). Os requisitos eram essencialmente dois: tinha de haver uma redução efetiva dos horários semanalmente (poderia haver aumento diário), sem corte salarial.
Houve, por isso, uma miríade de modalidades: empresas com 36 horas (a maior parte), 35, 34 ou 32 horas semanais. O processo não foi automático e houve que adaptar as equipas para esta redução, tendo em conta os requisitos dos clientes, o ritmo de trabalho, a necessidade de recuperação dos trabalhadores e do quanto pediam que o dia livre estivesse colado ao fim de semana. Nas empresas que têm de estar sempre em atividade, o dia livre ia rodando, ou foram criadas equipas espelho que folgam em dias diferentes (normalmente à segunda e sexta-feira).
Em duas empresas, o dia livre foi “condicional”, ou seja, só podia ser tirado quando não houvesse tarefas em atraso em necessidades de clientes. Muitas empresas, sobretudo as de maior dimensão, adotaram “múltiplas soluções em simultâneo”. Este trabalho de adaptação normalmente recaiu sobre os diretores de recursos humanos e os chefes das várias equipas e “pode gerar uma sobrecarga de trabalho por estes elementos”.
Nas 20 empresas que reduziram o horário para as 36 horas, três aumentaram a duração do dia de trabalho para as 8 horas. Para evitar que essa solução trouxesse constrangimentos aos trabalhadores, 17 empresas optaram por uma semana de quatro dias alternada com uma de cinco dias.
Antes do projeto-piloto, a média de horas de trabalho nas empresas participantes era de 41,6 horas por semana e, seis meses depois, tinha passado para 36,5 horas. O processo de redução não foi imediato. Aliás, “mais de 40% dos trabalhadores foram capazes de reduzir o tempo de trabalho imediatamente, mas essa experiência não foi unânime“, observam. Metade dos trabalhadores dizem ter demorado algum tempo a reduzir o tempo de trabalho.
“Em vários comentários, alguns trabalhadores confidenciam que acabam por terminar tarefas pendentes no dia livre. É frequente que nos primeiros meses exista alguma dificuldade no ajustamento e é natural que alguns hábitos demorem a alterar”, acrescentam. No final, 5% não conseguiram nunca usufruir do dia livre, enquanto cerca de 25% tinham o dia livre todas as semanas, e à volta dos 60% a cada duas semanas. E cerca de 10% tiraram uma vez por mês.
Os coordenadores do projeto-piloto sublinham que a ideia da semana mais curta não é fazer o mesmo trabalho em menos tempo, mas “trabalhar melhor nesses dias”. Uma das preocupações era que o ritmo de trabalho pudesse intensificar-se devido ao dia extra de folga. Os resultados mostram que 10% dos trabalhadores reportaram o aumento do volume de trabalho e 30% apontam para o agravamento do ritmo de trabalho.
Os benefícios na saúde mental, stress e ansiedade já tinham sido largamente sublinhados no relatório preliminar. Para dar alguns exemplos, a percentagem de trabalhadores com a saúde mental muito boa ou excelente duplicou de 15% para 30%. Ou o número médio de horas de sono aumentou 11 minutos de 6h43 para 6h54, ainda assim, abaixo das 7 horas de sono que é o mínimo recomendado por instituições internacionais. Os resultados indiciam que os mais beneficiados com a redução dos horários são trabalhadores com salários e qualificações mais baixas uma vez, que regra geral, tendem a ter menos flexibilidade no emprego — “apreciam mais o dia livre, que lhes permite realizar várias atividades que anteriormente eram mais difíceis de conciliar”.
Uma questão que tende a preocupar empresas e sindicatos é se os trabalhadores aproveitam o dia extra para ter um segundo emprego, o que pode pôr em causa o objetivo primordial da semana de quatro dias: trabalhadores mais descansados e produtivos. Os resultados revelam que houve um aumento do número de trabalhadores com uma segunda atividade, mas “marginal”, na interpretação dos coordenadores, de 1,5 pontos percentuais — passou de 15,5% para 17% dos participantes. Entre os segundos empregos mais habituais estão trabalhos esporádicos ou regulares em regime de freelancer ou em arrendamento de propriedades.
Além disso, aos seis meses de projeto-piloto, 7% afirmaram passar mais tempo a trabalhar nessas fontes de rendimentos (em média, passam mais 2h30 nesta atividade, abaixo das 3h30 do grupo de controlo) e 2% passam menos. Estes valores não são considerados significativos pela equipa coordenadora. “(…) a semana de quatro dias não acentuou particularmente esta dimensão do mercado de trabalho em Portugal. Embora surja a ideia de que a semana de quatro dias possa levar mais facilmente à realização de um segundo emprego, este aspeto não se revelou significativo na amostra”, concluem.
Outro dado salientado são as diferenças de género no uso do tempo adicional. Enquanto nas mulheres a categoria que mais aumentou foi a do tempo passado a cuidar de filhos ou enteados, amigos ou família, nos homens o maior aumento foram o outro trabalho remunerado, quando existe, as atividades de âmbito académico ou formação e uso de televisão, internet, videojogos ou redes sociais.
Nas entrevistas com os trabalhadores abrangidos há quem diga que sente “maior cansaço no fim de cada dia de trabalho” mas que o dia livre “é muito compensador” porque permite ter tempo para si e os seus interesses e ser mais criativo. O mesmo testemunho dá conta que nem sempre consegue ter a semana de quatro dias “sem constrangimentos laborais” — “uma reunião que tem de ser mesmo naquele dia, preparação ou resposta a alguma questão que não consegui ver nos 4 dias de trabalho”, exemplifica. Outros testemunhos dão conta da dificuldade em ter o dia extra “em períodos de maior volume de trabalho”.
E em vários casos é apontado o fator cliente, que leva a frequentes mudanças de planos. “A conjugação de agendas entre a empresa e clientes é extremamente difícil, em particular na área comercial (…). Se o único dia disponível que nos colocam à disposição é o nosso dia livre, esses dias ‘livres’ deixam de o ser“. Há, aliás, trabalhadores que destacam o facto de nem sempre saberem com antecedência quanto conseguem tirar o dia, o que gera ansiedade. Um testemunho diz mesmo: “Apenas usufruí de seis dias livres pelo que não senti um impacto significativo na minha vida pessoal”. Outro teve uma experiência bem diferente: “Sinto no domingo que descansei verdadeiramente, algo que não acontecia antes”.
Este mês, os participantes serão chamados a novo inquérito para fechar o ciclo de um ano de um projeto-piloto não consensual, aplaudido por uns e visto com desconfiança por outros. A expectativa de Pedro Gomes e Rita Fontinha é que as dúvidas tenham ficado sanadas: “A semana de quatro dias não é uma utopia, é uma prática de gestão legítima”, defendem.