Uma agência russa de espionagem poderá estar ligada ao misterioso fenómeno que ficou conhecido como “síndrome de Havana“, as centenas de casos de diplomatas e funcionários de embaixadas norte-americanas em vários países que sofreram episódios graves de enxaquecas, náuseas e até lesões cerebrais. Uma comissão lançada pela administração Biden considerou “muito improvável” o envolvimento de outros estados no caso, desvalorizando a tese de que a Rússia poderia estar por detrás do problema, mas uma investigação jornalística volta a colocar em cima da mesa essa possibilidade.
Em causa está uma investigação do Insider, um grupo de jornalismo de investigação de Riga (Letónia) que concentra muito do seu trabalho na Rússia. Também participaram jornalistas do programa norte-americano 60 Minutes e, ainda, da revista alemã Der Spiegel. Segundo a Reuters, que reproduz as conclusões da investigação, poderão ter sido usadas armas sónicas por uma unidade de espiões russa conhecida pela sigla GRU.
A investigação revelou que elementos de uma unidade de espionagem militar da GRU, a Unidade 29155, estiveram colocados em alguns dos locais onde ocorreram estes “incidentes de saúde anormais”, como foram chamados no jargão administrativo. Os casos apareceram pela primeira vez em Cuba em 2016 – daí o nome “síndrome de Havana”: diplomatas norte-americanos, depois de ouvirem sons muito agudos, começaram a queixar-se de perturbações como fortes enxaquecas, tonturas ou náuseas, e houve mesmo diagnóstico de danos cerebrais.
A investigação da Insider, que foi feita ao longo de cerca de um ano, acrescenta que altos quadros da Unidade 29155 receberam prémios e promoções por trabalhos relacionados com o desenvolvimento de “armas acústicas não letais”.
E, ao contrário do que se pensava, os primeiros casos poderão não ter acontecido em Havana em 2016 mas, sim, antes disso, noutros locais. “Provavelmente houve ataques dois anos antes [2014, ano da anexação da Crimeia] em Frankfurt, na Alemanha, quando um funcionário do governo dos EUA que trabalhava no consulado local perdeu os sentidos depois de ter sentido ser atingido por uma espécie de feixe de energia”, diz a investigação.
Depois dos casos de Havana, que levou os EUA a retirarem o pessoal da embaixada, houve relatos de casos na China, Alemanha, Austrália, Rússia, Áustria e até em Washington – no total, terá havido mais de 200 casos.
Apesar de, publicamente, os EUA não terem encontrado uma causa para o problema, o Congresso norte-americano aprovou em 2021 a Lei de Havana, autorizando o Departamento de Estado, a CIA e outras agências governamentais dos EUA a indemnizar funcionários que foram afetados pela doença durante missões diplomáticas.
Desde o início, as autoridades norte-americanas hesitaram na forma de lidar com este caso, minimizando os sintomas, que eram muitas vezes atribuídos a situações de stress, mas outras vezes atribuindo a doença a eventuais ataques com ondas de rádio e lançando suspeitas de a Rússia estar por detrás destas situações.
Contudo, a tese russa foi desde sempre colocada em questão por vários cientistas, que consideram improvável haver uma causa comum para todos os casos relatados. Uma das possíveis causas para o problema, avançada por um conjunto de cientistas, seria a exposição ao som produzido pelos grilos.
“Ataque acústico” na embaixada dos EUA em Havana pode ter sido provocado por grilos