Como seria de esperar de uma equipa inexperiente e com poucos anos de profissionalismo, os primeiros tempos não foram fáceis e, na primeira época, o St. Pauli terminou nos últimos lugares, acabando por descer de divisão. No ano seguinte, a DFB revogou a licença atribuída ao clube, que retornou à Oberliga Norte, nesta altura equivalente à Terceira Divisão alemã. Só em 2001 o St. Pauli conseguiu reerguer-se e voltou a disputar a Bundesliga.
Em 2000/01, o St. Pauli era o principal favorito a descer de divisão, mas, surpreendentemente, a equipa de Hamburgo conseguiu a tão procurada manutenção. Porém, como não podia deixar de ser, no ano seguinte chegou a tempestade. Com apenas quatro vitórias durante toda a época, os piratas regressaram à Segunda Divisão. O clube estava, de novo, em risco de perder a licença da DFB devido a problemas financeiros, mas conseguiu aguentar… por pouco tempo. A segunda despromoção consecutiva veio com 17 derrotas em 34 jornadas e a penúltima posição no final da Bundesliga 2.
O St. Pauli foi, de novo, forçado a reestruturar-se, e só em 2007 conseguiu regressar ao segundo escalão. Por lá permaneceram nas duas épocas seguinte, até que, em 2009/10, voltaram a aparecer na elite do futebol germânico. Ainda assim, a estadia foi curta. A temporada foi intermitente e terminou com o clube na última posição e a dizer adeus a Holger Stanislawski, técnico que estava ligado ao St. Pauli há 20 anos. Seguiram-se 13 longos anos na Segunda Divisão e, já em 2024, o tão aguardado regresso à Bundesliga, pela mão de Fabian Hürzeler que, com 31 anos, é o treinador mais jovem das divisões profissionais.
Richtung 1.Liga #fcsp pic.twitter.com/va0ItiljCh
— Marcus Watch (@Der_alles_seher) May 12, 2024
Quando comparado com o rival da cidade, o St. Pauli é visto como a equipa “secundária”, que está bastante longe do Hamburgo em tudo: títulos, recursos financeiros e massa associativa. O maior feito do clube foi a vitória, em 2001/02, contra o Bayern Munique, que, naquela época, tinha Oliver Kahn na baliza. Essa vitória acabou por ser representativa daquilo que se vive e sente no bairro de St. Pauli, já que, do outro lado, estava um clube rico, cheio de estrelas e com muitas vitórias. No fundo, tudo aquilo que o St. Pauli não almeja alcançar.
Essa vitória foi de tal maneira importante que levou o clube a fazer uma camisola comemorativa histórica, intitulada de “Weltpokalsiegerbesieger” (“vencedores contra o campeão do mundo”, em português), que continua à venda nas lojas oficiais do clube – diga-se de passagem que estas são vistas com maus olhos por uma falange dos adeptos, que considera que o marketing e a venda da marca do clube é um fenómeno capitalista e que não vai ao encontro da comunidade.
Fora das quatro linhas e longe de ver a bola a rolar, o St. Pauli é um dos clubes mais populares da Alemanha, contabilizando, em março deste ano, 40 mil sócios, como indica o seu site. A história ioiô, marcada pelas constantes subidas e descidas de divisão, é certamente um fator importante que leva os adeptos a identificarem-se com o clube. Mas há muito para além disso.
Os piratas são um clube pautado pelas causas sociais e o combate às discriminações. Politicamente conotado como clube de esquerda desde muito cedo, o St. Pauli é um dos poucos clubes do mundo que tem uma posição pública contra o machismo, a homofobia e o racismo. O St. Pauli foi o primeiro clube a proibir manifestações de extrema-direita nos seus jogos e a expulsar adeptos de extrema-direita. A luta contra o preconceito está, inclusivamente, inscrita nos estatutos do clube.
Fundado, como já vimos, em 1910, o St. Pauli teve uma origem progressista, apresentando-se como uma fonte de resistência ao Partido Nazi alemão. Quando este chegou ao poder, exigiu que os atletas judeus fossem expulsos das equipas, medida que o clube não acatou e resistiu até ser obrigado a ceder, devido à ameaça de ter de fechar.
Foi durante a década de 80 do século passado que o “clube de culto” começou a ter verdadeiramente essa definição. Um grupo de adeptos conhecido como “black block” começou a juntar-se nas bancadas do Estádio Millerntor, depois de a cidade ter sido tomada pelas discussões em torno de terrenos que estavam ao abandono e eram ocupados por pessoas sem casa e trabalhadores. A partir daí, os adeptos lideraram um movimento que visava expulsar o fascismo de dentro da claque, proibindo a venda de bilhetes e a adesão de sócio a pessoas que tivessem ligações à extrema-direita.
St. Pauli have been promoted back to the Bundesliga for the first time in 13 years, this is their players’ tunnel ☠️ pic.twitter.com/IFuTzKHPxV
— ESPN FC (@ESPNFC) May 13, 2024
O grupo de apoio ao clube foi crescendo paulatinamente e começou a “seduzir” subculturas alternativas, ganhando a reputação de clube agregador e inclusivo. O grupo procurou focar-se em problemas sociais e no ativismo político, não embarcando no aumento do fenómeno hooligan que estava a acontecer na Europa.
Um dos membros do grupo intitulava-se por “Doc Mabuse”, nome pelo qual era conhecido, e foi ele que expandiu a imagem da bandeira da caveira dos ossos em formato cruzado pelo estádio e pelo clube, num dia em que se deslocava para um jogo do St. Pauli e, deparando-se com uma bandeira com uma caveira, decidiu pagá-la e levá-la para o interior do estádio. A bandeira era, na altura, símbolo dos lavradores, estando ligada à tradição dos piratas. O símbolo pretendia passar a mensagem de “pobres contra ricos” e de “trabalhadores contra patrões”, conquistando a empatia e simpatia dos mais pobres e oprimidos. O símbolo demorou a ser reconhecido pela direção do St. Pauli mas, em 1989, o clube permitiu que os adeptos criassem uma loja de fãs independente, que viralizou rapidamente. Anos depois, o clube comprou a licença do símbolo e, a partir daí, ganhou a alcunha de piratas, tornando essa uma marca da sua história.
A imagem de marca é icónica, mas no bairro onde o clube prospera, as ideias são bem mais profundas. A bandeira com o símbolo pirata está contemplada na declaração de missão do clube que, em 2009, tornou-se no primeiro emblema alemão a adotar um conjunto de princípios orientadores, aprovando uma resolução na assembleia-geral que acontece todos os anos. Nestes princípios incluem-se a promoção dos interesses de sócios, funcionários, voluntários e simpatizantes, promovendo a tolerância, o respeito e a responsabilidade social.