A economia global está a passar por uma rápida transformação e, com ela, a União Europeia enfrenta o desafio urgente de manter e aumentar a sua competitividade num cenário dominado por avanços tecnológicos e imperativos de sustentabilidade. O “Relatório Draghi” – oficialmente intitulado O Futuro da Competitividade Europeia: In-depth Analysis and Recommendations – oferece um roteiro pormenorizado, que defende investimentos estratégicos na digitalização, na inteligência artificial (IA) e nas tecnologias verdes. Estas áreas não são meras melhorias, mas representam pilares essenciais que irão moldar a trajetória económica da Europa nas próximas décadas.
1. PILAR 1 – DIGITALIZAÇÃO: A ESPINHA DORSAL DA COMPETITIVIDADE FUTURA
A digitalização está na vanguarda da estratégia da UE para garantir a sua vantagem competitiva. O relatório sublinha que o investimento em redes de banda larga de alta velocidade e em infraestruturas de computação em nuvem é essencial para que a UE possa prosperar num mundo cada vez mais digital.
O sector das tecnologias da informação e das comunicações (TIC) já desempenha um papel significativo no PIB e no emprego da UE. No entanto, subsistem oportunidades substanciais de crescimento, especialmente no reforço dos sectores da administração pública, como os cuidados de saúde, a justiça e a educação. Ao modernizar estas áreas, a UE pode garantir que a infraestrutura digital sustenta tanto o crescimento económico como o progresso social.
Igualmente importante é a tónica no desenvolvimento de competências digitais. À medida que a economia global se torna mais orientada para a tecnologia, a mão de obra da Europa deve estar equipada não só com literacia digital básica, mas também com competências avançadas em IA, aprendizagem automática e ciência dos dados. Tal permitirá às empresas e aos indivíduos tirar pleno partido dos avanços tecnológicos, garantindo que a Europa se mantém na vanguarda da inovação digital.
O relatório sublinha e denota igualmente a importância de alcançar a autonomia estratégica. A dependência da Europa em relação a países externos no que respeita a tecnologias e matérias-primas críticas representa uma vulnerabilidade. Ao reforçar as capacidades internas e garantir as cadeias de abastecimento, a UE pode atenuar os riscos e criar um ecossistema digital mais resiliente e autossuficiente. Isto não só aumentaria a resiliência económica, como também garantiria que a Europa liderasse em áreas de inovação, desde a computação quântica à cibersegurança.
2. PILAR 2 – IA E COMPUTING: PRÓXIMA FRONTEIRA
A inteligência artificial (IA) e a computação de alto desempenho (HPC) representam os alicerces do futuro digital da União Europeia, como sublinhado no relatório Draghi. Estas tecnologias não são apenas cruciais para a inovação, mas também para assegurar a liderança da UE no cenário tecnológico global.
A melhoria das infraestruturas de computação, em particular através do aumento das capacidades de HPC, é essencial para apoiar a formação e o desenvolvimento de modelos de IA avançados. Esse avanço é fundamental para uma economia baseada em dados, onde a IA impulsionará novos serviços e indústrias inteiras. Para isso, a criação de um quadro
comunitário que permita às pequenas e médias empresas (PMEs) inovadoras acederem a estes recursos computacionais é vista como uma prioridade estratégica.
A computação quântica é apontada como a próxima fronteira tecnológica que a Europa não pode ignorar. O documento salienta que o investimento europeu nesta área é crítico para assegurar a competitividade a longo prazo da UE nos ecossistemas digitais de nova geração. A integração das tecnologias quânticas com as infraestruturas de HPC já existentes não só aumentaria a eficiência, como também consolidaria a posição da Europa como pioneira em inovações tecnológicas disruptivas. Esta integração é especialmente relevante para áreas como a segurança cibernética, a otimização de processos industriais e a simulação de fenómenos complexos, todos dependentes de avanços quânticos.
3. PILAR 3 – SUSTENTABILIDADE: LIDERAR A REVOLUÇÃO VERDE
Além da digitalização, a sustentabilidade emerge como um imperativo competitivo, e não apenas “ético”. O relatório realça que a UE já possui uma vantagem significativa no domínio das tecnologias verdes, que deve ser constantemente reforçada frente à crescente concorrência global, especialmente da China e dos Estados Unidos. A inovação em setores como transportes ecológicos, biocombustíveis e energias renováveis (especialmente eólica e solar) está no centro desta estratégia. O compromisso da Europa em liderar a revolução verde é ainda complementado pela transição para uma economia circular, onde a reutilização de recursos é maximizada, e a pegada de carbono é reduzida.
A meta ambiciosa de atingir emissões líquidas zero até 2050 é uma das principais bandeiras da UE. Esse objetivo, embora desafiador, é possível de alcançar através de investimentos robustos em inovação verde e tecnologias de baixa emissão, além de políticas que favoreçam a transição energética e a descarbonização de setores intensivos em energia.
4. INICIATIVAS ESTRATÉGICAS
Para alcançar estas metas, o relatório propõe uma série de iniciativas estratégicas. Entre as principais está o Ato Europeu para o Desenvolvimento da Nuvem e da IA, que procura criar uma arquitetura harmonizada de cloud computing e coordenar esforços para aumentar a participação privada no financiamento dessas tecnologias. O reforço das capacidades de HPC, IA e computação quântica será vital para garantir que a Europa continua na vanguarda da inovação tecnológica mundial.
Outro ponto importante do relatório é o financiamento de modelos de IA aplicados a setores estratégicos, como automóvel, energia, agricultura e saúde. Estes são setores fundamentais onde a Europa pode garantir uma vantagem competitiva global através do uso eficiente de tecnologias emergentes. O apoio às startups e PMEs é também destacado, com ênfase na necessidade de melhorar o acesso ao financiamento e eliminar barreiras de regulação e fragmentação do capital.
Em suma, o futuro da competitividade europeia está intrinsecamente ligado a investimentos estratégicos em digitalização, IA e sustentabilidade. As propostas delineadas no relatório Draghi não são meras sugestões, mas sim um apelo firme a ações políticas coordenadas, com investimentos substanciais tanto do setor público quanto do privado, e um ambiente regulatório que incentive a inovação. A capacidade da Europa de navegar os desafios do
século XXI depende da sua determinação em adotar estas inovações com visão e compromisso. Ao seguir o roteiro estratégico proposto, a UE poderá não apenas manter, mas também expandir a sua relevância no cenário económico global, em múltiplas dimensões que vão desde a competitividade digital até a liderança na sustentabilidade.
O Observadorassocia-se ao Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.
Referências; Comissão Europeia. (2024). O futuro da competitividade europeia: In-Depth Analysis and Recommendations. Bruxelas: União Europeia.
Nota do autor: Este artigo foi adaptado do relatório “The Future of European Competitiveness: In-Depth Analysis and Recommendations”, que reflecte os principais imperativos estratégicos para a UE nos domínios da digitalização, da IA e da sustentabilidade