Foi através da rede social Instagram que Nuno Markl partilhou com os seus mais de 800 mil seguidores uma recente descoberta: a aplicação Ten Ten, que transforma o telemóvel num walkie talkie dos tempos modernos. Na publicação, o humorista explica que foi o filho que lhe deu a conhecer a plataforma e antecipa que “o mais provável” é que “tenha uns sólidos 15 dias de hype antes de cair no abismo de esquecimento para onde tanta app gira-mas-não-especialmente-útil acaba por cair”.
A Ten Ten, que começou a ser desenvolvida em França em 2021, apresenta-se como uma aplicação que transforma os telemóveis em walkie talkies, para que as pessoas consigam conversar “com os seus melhores amigos, em qualquer sítio, a qualquer hora”. “Cante, grite ou sussurre… os seus amigos vão ouvi-lo, em direto, no telefone deles”, sendo que, para isso, é necessário pressionar o botão que aparece no centro do ecrã.
Tal como acontece nos walkie talkies tradicionais basta pressionar um botão e falar para que quem está do outro lado consiga ouvir. A mensagem é transmitida, em direto, mesmo quando o ecrã do telemóvel está bloqueado ou quando a pessoa está a utilizar uma outra aplicação. Existe, contudo, uma exceção: o utilizador pode colocar os amigos em “mute” — durante uma, quatro ou oito horas ou ainda “para sempre” (até indicação em sentido contrário) — para que não seja incomodado.
O facto de qualquer pessoa se poder fazer ouvir, a qualquer momento e sem aviso prévio, no telemóvel do destinatário leva a que existam queixas. Na publicação de Nuno Markl surgem relatos de professores descontentes com a aplicação. “O hype da semana foi a vergonha de algumas ‘frases’ vindas dos telemóveis dos meus queridos alunos, em pleno silêncio de aula, e sem pré-aviso” e “Nuno, isto é divertido menos quando és professor e tentas dar aulas” são alguns dos comentários. Do lado dos estudantes há também a indicação de que as aulas estão “constantemente a ser ‘atacadas’ por colegas que gritam no Ten Ten dos alunos que estão na sala”.
As queixas de quem usa a aplicação são outras. Nos comentários que deixam na página da Ten Ten na Play Store e na App Store, os utilizadores reclamam da “instabilidade”. “Às vezes demora muito tempo a conectar, mas outras não conecta, de todo. Por favor, corrijam isto” ou “às vezes funciona, outra vezes não” são exemplos de comentários que se repetem.
A Ten Ten, aplicação gratuita e sem anúncios publicitários, foi lançada oficialmente no sistema operativo iOS (da Apple) “há pouco mais de um ano”. “Começámos a lançar no Android, progressivamente (país a país), há algumas semanas e estamos a trabalhar no lançamento para telemóveis Huawei, uma vez que [a empresa] não está autorizada a integrar os serviços Google nos seus dispositivos”, afirma Jule Comar, CEO da aplicação, em declarações ao Observador.
O também cofundador da Ten Ten reconhece que, por vezes, a aplicação é instável, mas diz que se deve ao facto de estar a começar a “explodir em todo o mundo”. Ainda assim, opta por não revelar o número de utilizadores que tem a nível global e em Portugal. “Alguns problemas de conexão devem-se a grandes picos de utilizadores na app ao mesmo tempo. Estamos a trabalhar para escalar (…) e a experiência dos utilizadores é a nossa prioridade. Vamos fazer tudo para resolver esses problemas e proporcionar a melhor experiência possível”, salienta Jule Comar.
Recentemente, a 24 de abril, a Ten Ten recorreu ao TikTok e ao Instagram para avisar os utilizadores de que estava a registar problemas devido a um “grande pico de utilizadores” e para alertar que as comunicações ficariam afetadas “durante algumas horas, no máximo”. No dia seguinte, a empresa disse estar “de volta” e agradeceu a compreensão, notando que ainda não era possível iniciar sessão com o email. Quando o Observador começou a utilizar a aplicação, ao longo desta semana, o problema já tinha sido resolvido.
Para utilizar a Ten Ten é preciso instalar a aplicação (gratuita) e iniciar sessão, com uma conta Apple, Google, de TikTok (rede social que poderá ser a responsável pelo proclamado aumento de utilizadores, uma vez que vários vídeos sobre a app têm aí sido partilhados) ou através de um email. De seguida, os utilizadores devem colocar o seu nome e escolher uma fotografia de perfil. Não é pedida a criação de uma palavra-passe.
Para começar a utilizar a plataforma francesa é necessário dar autorização de acesso aos contactos, para que seja possível encontrar “amigos próximos”, permitir notificações e acesso ao microfone. Na Ten Ten é possível adicionar até nove contactos. Porém, o utilizador só consegue falar com uma pessoa de cada vez.
Num comentário feito na página da Ten Ten na App Store, um utilizador pede que sejam “incorporados grupos na aplicação” porque pretende “falar com vários amigos ao mesmo tempo”. O mesmo pedido é feito, diversas vezes, nos comentários dos vídeos que a plataforma partilha no TikTok. Em declarações escritas enviadas ao Observador, o CEO Jule Comar diz que está a trabalhar em “várias novas funcionalidades” e antecipa que “os grupos estão a chegar”, mas não avança com mais detalhes.
@tentenapp hold to talk and your friends will hear you instantly (even if their phone is locked)!! #tenten #tentenapp #howtotenten ♬ Underground Sound – Joey Valence & Brae
A Ten Ten pode ser a mais recente, mas não é a única que transforma o telemóvel num walkie talkie. Por exemplo, as plataformas Voxer e Zello, ambas lançadas em 2011 e com versões gratuitas ainda disponíveis, também permitem entrar em contacto com outra pessoa através de um único toque. Esta última apresenta-se como a “aplicação número um do género walkie talkie” e diz contar com mais de 150 milhões de utilizadores em mais de 200 países.
À medida que o Furacão Irma se aproximava da Florida, nos Estados Unidos, em 2017, a Zello ganhou popularidade, segundo o Business Insider, como uma ferramenta utilizada para as operações de busca e salvamento. Nessa altura, os downloads aumentaram e a aplicação, que funcionava mesmo em redes mais antigas (como a 2G), chegou ao topo das mais descarregadas na App Store.
Mais recentemente, em 2021, foi notícia por ter sido usada por pelo menos duas pessoas que invadiram o Capitólio norte-americano e por ter uma crescente base de utilizadores de extrema-direita. De acordo com o The Guardian, esses grupos tendem a ter interesse nas comunicações militares realizadas através de walkie talkies, sendo que por isso usavam a Zello para transformar os telemóveis e os computadores nesses aparelhos.
A empresa reconheceu que a aplicação foi “utilizada indevidamente por alguns indivíduos durante a invasão do Capitólio dos Estados Unidos” e mostrou-se preocupada com o facto de poder ser utilizada “indevidamente por grupos que ameaçaram organizar outros protestos potencialmente violentos” e perturbar a tomada de posse de Joe Biden, no dia 20 janeiro de 2021. Nessa altura, face aos receios, a Zello começou a eliminar grupos com ligações à extrema-direita.