Telavive iniciou uma guerra na Faixa de Gaza em retaliação pelo ataque de 7 de Outubro do Hamas, onde quase 700 civis foram mortos, mais de mil foram feridos, centenas foram alvo de agressões sexuais e outros tantos foram raptados (alguns permanecendo ainda como reféns em Gaza). Desde então, os ataques aéreos e a invasão terrestre das Forças de Defesa de Israel a Gaza já provocaram a morte de mais de 45 mil pessoas (a maioria civis, mas também militantes do Hamas e soldados israelitas) e criaram uma crise humanitária de deslocados internos que não têm, na maioria, acesso a comida e medicação.
Na prática, o efeito desta ação do TPI será limitado, já que Haia não dispõe de uma força policial própria e a sua jurisdição só se aplica nos países que subscrevem o Estatuto de Roma (124 ao todo, incluindo a maioria das nações europeias, mas não os EUA, a China, a Rússia e o próprio Estado de Israel). Isto significa que Netanyahu e Gallant só serão detidos se viajarem para algum destes países — o que pode ser facilmente evitado, como o Observador explicou em maio, quando o pedido foi feito pelo procurador.
Que efeitos pode ter um mandado de detenção do TPI para Netanyahu? EUA podem evitar derrota diplomática de Israel?
Mas o impacto político da decisão pode ter ramificações imprevisíveis, sobretudo num momento em que Israel negoceia a possibilidade de um cessar-fogo quer com o Hamas quer com o Hezbollah e em que o seu maior aliado, os Estados Unidos da América, estão num processo de transição para uma nova presidência.
Dentro de Israel — onde o primeiro-ministro enfrenta um processo judicial por suspeitas de corrupção, que tem manchado a sua popularidade e que terá uma audiência em breve —, a decisão do TPI pode ter um efeito de união. De Washington já vieram sinais claros de alinhamento total com Telavive, que podem resultar numa guerra aberta com Haia. Mas as reações de vários governos europeus mostram que o Velho Continente está completamente fraturado sobre como deve responder.
A decisão do TPI é, de facto, sem precedentes: nunca líderes de um país democrático e alinhado com o Ocidente tiveram mandados de detenção emitidos pelo tribunal internacional. No passado, o TPI pediu a captura de dirigentes de países como a República Democrática do Congo, o Sudão, o Afeganistão e, mais recentemente, o Presidente russo Vladimir Putin.
Isso tem ocorrido porque, como explica o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), as orientações do TPI são para atuar apenas quando os mecanismos judiciais dos próprios países falham — o que habitualmente não acontece em democracias. Ao tomar esta decisão, nota o FAZ, o tribunal está “a acusar implicitamente a Justiça israelita de fechar os olhos às violações legais em Gaza”, por não ter aberto qualquer processo judicial de investigação às ações militares israelitas no território.
Não se espere, porém, que tal venha a acontecer agora. Isto porque o sentimento geral em Israel é de revolta contra a decisão do TPI — basta ver as reações dos políticos da oposição, que se alinharam totalmente com Netanyahu. Benny Gantz decretou a decisão como “uma cegueira moral” e “uma mancha vergonhosa”; Yair Lapid considerou-a “uma recompensa ao terrorismo”.