Previsivelmente, a queixa de André Ventura contra Marcelo Rebelo de Sousa por traição à pátria acabou chumbada por votos contra de todos os partidos à exceção do Chega. Já depois de na quarta-feira ter ficado isolado no Parlamento no debate de urgência marcado pelo próprio partido para discutir “a situação provocada pelas declarações do Presidente da República em relação à reparação histórica das ex-províncias ultramarinas”, o líder do Chega voltou a ser duramente criticado por todos os partidos no dia em que se analisou o relatório da comissão parlamentar especial criada para o efeito.
Logo no arranque do debate, Isabel Moreira, deputada socialista e relatora do parecer, apontou o dedo a André Ventura. “O Presidente da República não cometeu qualquer crime. Para o Chega, ao fim de 50 anos de democracia, é tempo de fazer chicana. Quinze anos de prisão para quem discorda do Chega”, começou por dizer.
A socialista recorda as várias declarações que Ventura fez no passado, fosse sobre Joacine Katar Moreira, ou sobre a família do bairro Jamaica a “quem chamou bandidos” ou ainda sobre a comunidade cigana, para acusar André Ventura de se dedicar a lançar o “ódio” e de centrar toda a sua conduta política numa “falsa valentia. “Uma valentia do tamanho de um pin, mole e murcha, tímida. São todos muito valentes”, atirou Isabel Moreira apontando diretamente para a bancada do Chega.
“André Ventura quer a chicana porque é anti-Abril. Queremos o país de todos e de todas, livre e igual, onde corpos de mulheres, pobres, pessoas racializadas, LGBT, não se sintam ameaçadas porque as palavras, quando carregadas de ódio, não são só palavras. Queremos um país que repara. Que repara todas as desigualdades”, rematou a socialista.
A intervenção de Isabel Moreira motivou uma reação de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, não necessariamente para defender a honra de André Ventura, mas para condenar a socialista por estar a tentar instrumentalizar o debate — que deveria ser técnico e circunscrito ao parecer apresentado — para efeitos políticos, como forma de “incendiar” o Parlamento, “criar mais confusão, alimentar o populismo e fazer crescer os extremismos”, permitindo a André Ventura passar largos minutos a “falar para o Tik-Tok“. “O bom-senso, a ponderação, a moderação devem ser os valores que guiam as intervenções dos senhores deputados”, apelou Hugo Soares.
António Filipe, do PCP, assinou por baixo e tentou despachar a discussão, acusando o Chega de estar a embarcar numa “fantochada” e a “gozar” com os votos que foram confiados aos portugueses, “achincalhando” a Assembleia da República. “Acabemos com esta fantochada. O povo elegeu-nos para trabalhar”, rematou o comunista.
Pedro Neves de Sousa, do PSD, elogiou a “qualidade técnica” do parecer assinado por Isabel Moreira e fala na “manifesta pobreza” da queixa apresentada por André Ventura e acusou o líder do Chega de não ter sido capaz de apresentar qualquer parecer jurídico para sustentar a acusação que fez a Marcelo Rebelo de Sousa pelo simples facto de não existirem. “São pareceres voadores não identificados”, disse.
“O Chega está a falhar aos portugueses e a todos aqueles que, de uma forma inocente, depositaram o seu voto nesta força política”, acusou o social-democrata, falando num “ataque gratuito ao Presidente da República” para que Ventura pudesse ter “mais tempo de antena”. Esta iniciativa constitui uma traição aos portugueses que depositam nesta Assembleia e no Governo de resolver os problemas.”
Inês Sousa Real, do PAN, acusou o Chega de ter uma “pulsão autocrática” e de estar a tentar antetar contra a liberdade de expressão do Presidente da República. À semelhança do que fizera António Filipe, também Paulo Núncio, do CDS, tentou esvaziar a iniciativa do Chega em “30 segundos”. “Nem o pior aluno do primeiro ano da Faculdade de Direito apresentaria um projeto tão absurdo como o Chega apresentou. Há erro do Presidente da República. Não há crime. Ponto. Erro e crime não são a mesma coisa. Ponto. Passemos a assuntos sérios. Ponto.” rematou.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, condenou André Ventura, alegando que o líder do Chega sofreram mais um “forte enxovalho jurídico” depois de ter insistido num “total abastardamento” da Assembleia da República. Já depois de também ele ter acusado Ventura de “cobardia” por não ter sido capaz de apresentar os supostos pareceres jurídicos que sustentavam a queixa contra Marcelo, o liberal recordou que nasceu numa antiga política e que o seu sogro é um antigo combatente, deixando um aviso a Ventura: “Não tem autorização para abastardar a política portuguesa em nome dos seus interesses pessoais.”
“Ser desleal à pátria é procurar permanentemente procurar dividir os portugueses. Acuso André Ventura e o Chega de serem desleais à pátria”, atirou Rui Tavares, do Livre, na sua vez e já depois de ter defendido Marcelo Rebelo de Sousa como “um cidadão patriota”, em quem nunca votou mas de quem nuão duvida que queira “o melhor para o seu país”. “Evidentemente, não é um traidor à pátria”, defendeu Tavares, lembrando, entre outras coisas, que André Ventura é aliado político de Santiago Abascal, líder do espanhol Vox, que chegou a defender a unificação entre Espanha e Portugal.
Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, acusou André Ventura de querer reinar no meio do caos. “A extrema-direita ataca uma das liberdades mais básicas. A acusação é um logro, ridícula em toda a linha. O Presidente não cometeu nenhum crime. Querem mandar o Presidente para a cadeia por ter uma opinião diferente. Querem tornar o ambiente insuportável. Conhecemos os vossos truques: querem criar a doença para logo depois vender a cura”, disse o o bloquista, acusando o Chega de estar alimentar folhetins para alimentar “delírios autoritários do deputado André Ventura”. “Querem-se vingar do 25 de Abril mas não vão conseguir. O nosso país tem muitos heróis; nenhum deles se chama André Ventura.”
No final, sem nunca responder aos partidos que exigiram que mostrasse de facto os pareceres jurídicos que fundamentavam a queixa apresentada contra Marcelo Rebelo de Sousa, André ventura insistiu no ataque ao Presidente da República e acusou todos os outros partidos de estarem “contra o Chega” e contra “a grande maioria dos portugueses”. “O Presidente disse que fomos racistas, esclavagistas, e que por isso devíamos pagar por isso. Por nós, nunca passarão. Temos orgulho em toda a história deste país. Em toda. Ignorar aqueles que antes de nós lutaram é uma traição brutal à nossa pátria”, terminou.