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Trump 2.0 parece ter agradado os mercados nos Estados Unidos. Mas o que se pode esperar para o futuro? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 6, 2024

Trump trade. Os mercados nos Estados Unidos, como seria de esperar, aplaudiram a vitória de Donald Trump. As bolsas em Wall Street abriram a bater recordes esta quarta-feira, depois do anúncio de que o republicano assumirá de novo a Presidência do país em janeiro de 2025.

O Dow Jones Industrial Average subiu 1.220 pontos ou 2,9% e o S&P 500 colocou mais 120 pontos no índice ao subir 2,1%. O Nasdaq valorizou 2,3% ou 415 pontos. Os três índices bateram, assim, recordes históricos. A última vez que o Dow Jones tinha subido mil pontos num único dia foi em novembro de 2022. Há setores, como a banca, que estão a ser mais valorizados, a olhar para as promessas eleitorais de Donald Trump. Mas o reverso está em setores ligados mais à economia verde.

O dólar também valorizou, atingindo o valor mais alto em quatro meses, e também a bitcoin superou, pela primeira vez, os 75 mil dólares. Soma-se a estas valorizações a subida das “yields” das obrigações soberanas dos Estados Unidos, antecipando-se que as políticas de Trump possam contribuir para aumentar, de novo, a inflação.

“Os mercados estão a comportar-se de forma consistente com uma onda vermelha”, comenta num comentários enviado às redações Luke Bartholomew, do Abrdn.

Tesla, do “super génio”, está em alta nas bolsas


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Tesla é (para já) um dos vencedores. A empresa do “super génio” está em alta na bolsa
A ligação tão próxima entre Elon Musk e Donald Trump está a compensar esta quarta-feira na bolsa de Nova Iorque.

A Tesla está a ser um dos títulos mais valorizados. Sobe 12,9%.

“Temos uma nova estrela. Nasceu uma estrela, Elon”, declarou Trump no discurso de vitória, acrescentando: “É um tipo fantástico”.

O discurso de vitória de Trump nas entrelinhas: “Este vai ser recordado como o dia em que os americanos recuperaram o controlo do seu país”

E embora os republicanos não sejam vistos como os mais “amigos” para um incremento do mercado elétrico de automóveis, esta proximidade de Musk e Trump e as tarifas alfandegárias que podem penalizar os carros chineses estão a permitir a valorização da Tesla em bolsa.

Até porque, no seu discurso de vitória, Trump ainda reforçou: Musk é “um super génio” e “temos de proteger os nossos génios”.

A “corporate America”, no entanto, para já antecipa novas medidas de favorecimento. Donald Trump prometeu reforçar as reduções de impostos e, ao mesmo tempo, aumentar as taxas alfandegárias cobradas a quem exporta para os EUA. “Esperamos cortes de impostos para consumidores e empresas num curto espaço de tempo, um elemento-chave da perspetiva de tendência populista de Trump. As tarifas podem ser aumentadas ao longo do tempo, o que por enquanto é uma ameaça e não uma realidade”, salienta Aaron Rock, do Abrdn. O sentimento nos mercados na Europa são de sinal contrário ao dos Estados Unidos. As bolsas europeias estão, esta quarta-feira, em queda.

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De qualquer forma, “parece muito provável que esteja a caminho maior expansão orçamental, o que não combina bem com o desejo de Trump de que a Fed reduza agressivamente as taxas”. Para já a descida das taxas da Fed, que estão a ser antecipadas, decorrente da reunião que termina esta quinta-feira deverá manter-se.

A política orçamental, a cumprir-se o caderno eleitoral, trará um continuado défice nas contas federais e um aumento da dívida pública que caminha já para os 36 biliões de dólares, 120% do Produto Interno Bruto (anual). Uma estimativa apontou, mesmo, para a possibilidade de uma Presidência Trump poder aumentar essa dívida em até 15 biliões de dólares. E os economistas não estão também tão confiantes no milagre económico do republicado, até pelas políticas anti-imigração.

Conforme recorda o ING, “há mais incerteza nas perspetivas para o crescimento económico de médio e  longo prazos. Reduzir a imigração e forças o repatriamento poderá traduzir-se num grande constrangimento para a economia norte-americana, particularmente em setores como a agricultura”. E explica porquê: está a diminuir o número de trabalhadores nascidos nos estados Unidos — são menos um milhão que em 2019. O crescimento do emprego está a chegar dos estrangeiros que representam já 19,5% do emprego. Por isso, “se a força laboral estrangeira também encolher, poderá criar desafios do lado da oferta, conduzindo a aumento de salários e a inflação”. Por outro lado, traria ainda uma contração do lado da procura.

Os desafios são muitos. E, se os mercados financeiros norte-americanos parecem agradados com o resultado das eleições, há ainda caminho para fazer, até porque a ação geopolítica de uma presidência Trump 2.0 também joga no futuro económico.

Republicanos recuperam o Senado e tentam segurar a maioria na Câmara dos Representantes

Por outro lado, falta também ainda saber se os republicanos, além da Presidência e do Senado, conseguirão fazer o pleno, com o controlo da Câmara dos Representantes.

Num texto de antecipação às eleições, o Observador tinha vários cenários para o que poderia resultar das eleições. Repesca agora os dois que ainda estão em cima da mesa.

Num cenário em que Trump seja Presidente mas os republicanos não conseguem maioria no Congresso, a primeira prioridade do novo Presidente deverá ser tentar prolongar os cortes de impostos que foram lançados em 2017 (pelo próprio Trump). Se não houver esse prolongamento, o Tax Cuts and Jobs Act (conhecido pela sigla TCJA) irá expirar no final de 2025.

A confirmar-se essa proposta de prolongamento, “os democratas [no Congresso] irão, provavelmente, insistir em alterar alguns detalhes mas, globalmente, devem colaborar” no sentido da continuidade do programa, afirma Holger Schmieding, do Berenberg Bank.

O maior receio dos economistas em relação a uma nova presidência de Trump é que o empresário deverá focar muito a sua política nas áreas do controlo da imigração e, por outro lado, o comércio externo – duas matérias onde Trump, mesmo que não controle o Congresso, terá poder para tomar medidas capazes de reduzir o crescimento potencial da economia norte-americana e, também, ter implicações globais.

“Caso Trump cumpra o que prometeu, irá aumentar em 10% ou 20% as taxas alfandegárias em todas as importações que chegam aos EUA – além de 60% nas importações vindas da China”, salienta Holger Schmieding, do Berenberg Bank. A confirmar-se, essas medidas irão contribuir para aumentar os preços e estimular a inflação nos EUA – o que poderá levar a Reserva Federal dos EUA a ter de reagir com uma política monetária mais apertada.

Uma estimativa da britânica Capital Economics aponta para que as taxas de juro da Reserva Federal poderão ter de estar 100 pontos-base (um ponto percentual) mais elevadas se Trump vencer e avançar, mesmo, com os aumentos de taxas alfandegárias e estímulos orçamentais que está a prometer lançar. Mesmo num cenário mais conservador, em que Trump avança com a sua agenda protecionista de forma menos agressiva do que tem propalado, os juros da Fed podem estar 50 pontos-base mais elevados do que num cenário em que Trump não vence as eleições, afirma a consultora de investimentos.

No curto prazo, os analistas acreditam que uma eleição de Trump poderia dar um impulso positivo à economia dos EUA, graças ao pendor que o empresário mostrou ter, na primeira presidência, para uma menor carga regulatória em setores como a saúde, a finança e o meio ambiente. Isso poderá levar, por exemplo, a maior atividade na exploração petrolífera – o que tenderá a suportar o crescimento económico norte-americano por conferir aos EUA uma ainda maior maior independência energética (o que pode ser importante, sobretudo, numa fase de grande tensão geopolítica e incerteza no mercado petrolífero).

No longo prazo, porém, as taxas alfandegárias mais elevadas nos EUA – que podem ser respondidas na mesma moeda por outros países –, a escassez de mão de obra devido à menor imigração e, ainda, alguma erosão das instituições numa presidência Trump podem enfraquecer o crescimento económico norte-americano”, afirma Holger Schmieding. O Berenberg Bank passaria a prever um crescimento de 1,9% em 2025, mais duas décimas do que no cenário atual (1,7%), mas a partir de 2026 o crescimento seria uma ou duas décimas inferior ao previsto.

Neil Shearing, da consultora de investimentos britânica Capital Economics, vai mais longe e salienta que uma segunda presidência de Trump surgiria num enquadramento internacional bem diferente daquele que existia entre 2016 e 2020, os anos em que cumpriu o primeiro mandato. A principal diferença, para Shearing, é que, embora os dados ainda não confirmem um verdadeiro recuo da globalização, “a era da hiper-globalização acabou” e o mundo está, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, “cada vez mais fraturado”.

A retórica agressiva de Trump – até para com os parceiros europeus (e da NATO) – leva Neil Shearing a recear que uma segunda presidência de Trump “ameaçaria a coligação de países que se formou à volta dos EUA”. A prazo, isso pode significar que “os EUA podem começar a desgastar a vantagem-chave que têm em relação à China – que é a dimensão e a diversidade económica dos seus aliados”.

“É importante ter amigos, num mundo fraturado”, afirma o especialista da Capital Economics. “Tudo aquilo que Trump fizer para alienar os seus aliados acabará por prejudicar os EUA e beneficiar a China — e, levado ao extremo, isto pode ter um efeito profundo para a posição económica dos EUA no longo prazo”, remata.

O que é que é este cenário, de uma vitória “parcial” dos republicanos, significaria para a Europa? Antes de mais, a confirmar-se uma política monetária mais apertada por parte da Reserva Federal, isso pressionaria o BCE a manter as taxas de juro em níveis mais elevados. Por outro lado, “para as empresas europeias, um regresso de Trump à Casa Branca significaria uma incerteza comercial e geopolítica considerável, com implicações negativas para o crescimento no continente [europeu]”, afirma Holger Schmieding.

Nesse cenário, o banco de investimento “provavelmente” iria reduzir as previsões de crescimento para os países europeus em pelo menos uma décima de ponto percentual – duas ou três décimas, até, no caso da Alemanha, a maior economia da UE.

Até Christine Lagarde, presidente do BCE, questionada sobre a possibilidade de Donald Trump voltar à Casa Branca e lançar, como promete, novas taxas alfandegárias, admitiu que esse é um “risco negativo” para a Europa. “Qualquer restrição, qualquer obstáculo ao comércio externo importa para uma economia como a economia europeia”, afirmou a presidente do BCE. “Qualquer endurecimento das barreiras, das taxas alfandegárias, é obviamente um risco negativo“, continuou.

Holger Schmieding, do Berenberg Bank, acrescenta que “a abordagem de Trump às questões geopolíticas (menos apoio à Ucrânia, pressão sobre Kiev para aceitar um armistício em termos favoráveis ​​à Rússia) continua a ser uma questão importante com consequências potencialmente graves para a Europa”. Além disso, diz o economista, o Presidente também será crucial para “a avaliação que a China fará sobre a determinação dos EUA em impedir uma [possível] tentativa chinesa de tomar Taiwan pela força, no futuro”.

Neste cenário, ainda em aberto, Trump continuaria a ter as primeiras prioridades do primeiro cenário, mas enfrentaria ainda menos obstáculos na aprovação das suas medidas, entre cortes de impostos, redução de apoios sociais e aumento das taxas cobradas às empresas que exportam para os EUA.

“Embora os cortes adicionais nos impostos pudessem impulsionar, ligeiramente, o crescimento económico, os consumidores e as empresas acabariam por pagar por isso com custos de financiamento mais elevados”, diz Holger Schmieding, salientando que com preços mais elevados (inflação mais rápida) a Reserva Federal teria de manter as taxas de juro num nível superior.

Um risco que o economista do Berenberg Bank não exclui é que, em determinadas circunstâncias, os mercados financeiros podem começar a ter dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas dos EUA – uma espécie de repetição, com implicações globais muito mais graves, da instabilidade que se gerou na liderança de Liz Truss no governo britânico. O risco seria haver uma espécie de “Liz Trump”, diz o economista.

A comparação feita pelo economista do Berenberg, com alguma dose de humor, vai ao encontro daquilo que Trump tem dito que o seu plano irá viabilizar: mais crescimento. Esse era o argumento usado pela britânica Liz Truss para justificar os grandes cortes de impostos que acabaram por não se concretizar (e que condenaram, também, a sua curta e conturbada governação).

Porém, com a dívida pública norte-americana a aproximar-se dos 36 biliões de dólares, acima dos 120% do PIB, um think tank independente sediado em Washington DC, o Committee for a Responsible Federal Budget, estimou que os planos orçamentais e económicos de Trump podem custar até 15 biliões ao longo de uma década.

Por outro lado, o Peterson Institute for International Economics, outro think tank independente, estimou que o crescimento económico dos EUA até 2028 será 9,7% menor caso Trump vença e avance, mesmo, com a sua agenda de aumento das taxas alfandegárias e corte na imigração. O ritmo de subida dos preços, por seu turno, pode ser 28% mais rápido do que num cenário alternativo.

Estes são cálculos que Donald Trump desvaloriza, porém. “Eu sempre fui muito bom a matemática”, afirmou o candidato republicano, em entrevista à Bloomberg News. Trump recusa a ideia, com a qual concorda a generalidade dos economistas, de que as taxas alfandegárias mais elevadas vão levar a um aumento do custo de vida para os americanos – no limite, levar a economia para uma recessão: “A palavra mais bonita do dicionário, para mim, é ‘tarrifs’ [taxas alfandegárias], é a minha palavra favorita”.

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