Subitamente, o vento mudou. E a “meteorologia” política parece estar mais favorável e a correr de feição a Luís Montenegro e ao governo.
As previsões de borrasca no horizonte, com um “rio atmosférico“ que implicaria a deslocação urgente do primeiro ministro a Belém, com as “calças na mão” (e uma carta de demissão…), parecem adiadas “sine die”, talvez “apalavradas” para o próximo Orçamento de Estado, lá mais para o Outono . E mesmo assim, cautelosamente, o PS deixou de ser taxativo na sua predisposição para o “chumbo”.
Ao anunciar um conjunto de decisões aprovadas em Conselho de Ministros, envolvendo o novo aeroporto em Alcochete, a terceira travessia do Tejo ou o comboio de alta velocidade até Madrid, Montenegro surpreendeu as oposições, da esquerda à direita, e, terá surpreendido mesmo quem, portas adentro da coligação, admitia vida curta para este Executivo.
Diga-se, aliás, que a primeira surpresa foi a composição do próprio elenco governativo. Em silêncio, sem transpirar nada para a comunicação social, o segredo foi guardado até ao fim, e, mesmo em Belém, houve reparos e estranheza por terem faltado as “dicas” sobre os contactos em curso.
Ao contrário do que costumava acontecer com António Costa, cuja porosidade permitia que as escolhas de governantes chegassem primeiro à praça pública — sem filtros, nem sequer escrutínio adequado em não poucos casos — Montenegro teve artes de arranjar um “governo de combate”, com “nomes sonantes “, como agora se diz a propósito de manifestos, e sem soluções de improviso ou de recurso.
Mais: quando as oposições e os media amigos das oposições, já se perfilavam para acusar Montenegro de inação — por não resolver em um mês de actividade aquilo que as esquerdas e o PS não tinham resolvido em oito anos –, o primeiro ministro, cumprido o recolhimento “monástico”, tirou da “cartola“ não um mas vários coelhos, num passe de “mágica” que desarmou a assistência , já preparada para a pateada.
Pior: os ministros parecem decididos a não dar descanso aos media nem aos inúmeros comentadores avençados, ao proporcionar-lhes farta matéria para demoradas cogitações.
Foi a Santa Casa com a provedora e a mesa exoneradas, enquanto se começou a desvendar o enorme buraco financeiro, resultante do “forrobodó” da gestão socialista, que comprometeu uma instituição centenária; foi o director nacional da PSP, muito próximo dos sindicalistas e activistas da corporação, a receber “ordem de marcha”, substituído por outro polícia com folha limpa e currículo invejável; foi o director executivo do SNS – um “biombo” , inventado para proteger o ex-ministro da Saúde –, que renunciou ao encargo, aproveitando alegadas discordâncias com a nova ministra, para voltar ao ofício de médico, do qual nunca deveria ter-se afastado.
Ou seja, em menos de um mês, o governo “arregaçou as mangas” e optou por tomar a iniciativa e governar, indiferente ao facto de não dispor de maioria no parlamento, nem dos favores da maioria dos media.
E criou um sério embaraço às oposições, como se notou no primeiro debate quinzenal, onde Montenegro, se lembrou, por acaso, de “ressuscitar” o antigo tribuno que foi, enquanto líder da bancada social democrata, para ripostar à letra a André Ventura e a Pedro Nuno Santos, provocando-lhes notórios engulhos.
A contraofensiva do governo ganhou uma tal amplitude que até obrigou José Sócrates (cada vez mais convencido de que valeu a pena o imbróglio jurídico que ajudou a montar, a confirmarem-se as prescrições…) a reclamar a “paternidade” dos projectos anunciados, secundado por Pedro Nuno, para quem este foi “o terceiro Governo a decidir fazer o aeroporto em Alcochete”.
Recorde-se que o segundo foi no “reinado” de António Costa, no qual o mesmo Pedro Nuno ocupava a pasta das Infraestruturas e que viu o seu despacho de localização do novo aeroporto de Lisboa revogado em 24 horas, por ter sido publicado sem “dar cavaco” ao primeiro ministro, ausente no estrangeiro. Uma “maldade” que lhe custaria a humilhação pública e, mais adiante, a demissão do governo.
E, embora o “pacote” das grandes obras públicas, não passe ainda do papel, a realidade é que os anúncios foram levados a sério, ao ponto de ninguém aparecer a questionar a sua viabilidade e ser um apetecido consolo para as imobiliárias, que correram a rever os planos e os preços dos terrenos e das habitações, à volta do antigo campo de tiro e Alcochete…
Moral da história: Montenegro acertou em cheio. E Pedro Nuno não teve outro remédio se não garantir que o PS “nunca porá em causa esta decisão”.
Com o “visto” do bloco central, meio século depois do início dos estudos para a mudança, o novo aeroporto da capital poderá “ter pés para andar”, sem precisar de “arrastar os pés”, a menos que Pedro Nuno queira dar razão a Ventura, quando este estranhou os dez anos previstos para a sua construção, comparativamente com o prazo — que ficou por metade –, para operacionalizar o novíssimo aeroporto de Istambul, apesar de ter considerado que “os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo”.
Com esta frase, Ventura voltou a “incendiar” o parlamento, expondo o presidente Aguiar Branco às críticas assanhadas das esquerdas por não lhe ter “cortado o pio”, uma prática de mestre-escola seguida, zelosamente, pelos seus antecessores socialistas, Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva, que muito contribuíram, de resto, para a notoriedade do líder do Chega.
Curiosamente, houve logo quem descobrisse o erro de Ventura. Afinal, segundo dados recentes publicados pela OCDE, os turcos encontram-se entre os que mais trabalham, figurando em 13.º lugar no “ranking” dos 38 países da organização, em contraste com os portugueses, menos produtivos e distantes, ocupando a 20.ª posição na soma de horas anuais trabalhadas.
Conclusão óbvia: Ventura criticou, distraído, em vez dos turcos, a “preguiça” dos trabalhadores portugueses, que precisam do dobro do tempo para construir um aeroporto aparentado…
A polémica sobrou, no fundo, para o Presidente do parlamento, que ao bater-se – e bem – pela defesa da liberdade de expressão dos deputados, foi “mimado”, desde logo, pelas esquerdas e pelas organizações afins do costume, só faltando ser declarado “racista” e “xenófobo”. Um disparate.
Com estas “escaramuças” parlamentares, em plena pré-campanha eleitoral para as Europeias, que decorre sobretudo nas televisões, tornou-se notória a fixação de Catarina Martins na “extrema direita” durante os debates em que participou, aparentemente esquecida de que ela própria, apesar dos sorrisos e do olhar guloso para as câmaras, representa a “extrema esquerda” na qual se reconhece o Bloco.
Com uma vantagem que não é despicienda: Catarina tem hoje a “rodagem“ suficiente para exibir um à-vontade em estúdio que deixa a léguas de distância o antigo embaixador António Tânger, cabeça de lista do Chega, no polo oposto à direita, com uma aflitiva incapacidade para ir além de um discurso baço, longe da truculência que caracteriza o líder do partido.
A julgar pelas “classificações“ atribuídas pelos “painéis de comentadores” habituais, a seguir aos debates – espécie de júri à maneira do “America`S Got Talent -, as “performances” de Catarina são sempre convincentes e costumam pontuar bem. A antiga actriz não deixa os seus créditos “por mãos alheias” no palco político, onde já se movimenta com apreciável à-vontade e talento de encenação.
Se o eleitorado partilha ou não as mesmas convicções dos “júris” isso já é outra conversa…
O certo é que Catarina, sem nunca renegar o seu trotskismo original, aprendeu a “comunicar” e, embora seja contrária — segundo a sua cartilha ideológica –, ao clube europeu, ao euro, ou à “bondade democrática da NATO”, aliás, na linha da sua antecessora, Marisa Matias, lá vai “levando a água ao seu moinho” …
Como porta-voz do radicalismo bloquista, Catarina explicou esse facto com uma tocante candura e irrefutável modéstia, ao dizer que “colocou-se a questão de o BE precisar de uma candidatura forte às eleições europeias e houve a percepção de que eu seria a pessoa que o poderia fazer”.
O que não disse foi que ambiciona ter um lugar ao sol na “alta roda” de Estrasburgo, para se ressarcir da derrota nas Legislativas, que a forçou a renunciar à liderança do partido — repetindo o desaire e a fuga do seu “guru de estimação”, Francisco Louçã. E já agora, se lá chegar, trata-se de um “santuário capitalista” que lhe dará muito jeito para compor um “pé de meia” …
No outro extremo, o Chega, depois da surpresa das Legislativas, precisa de um assento no Parlamento Europeu, como “do pão para a boca”, para legitimar o seu crescimento e provar que não foi por acaso que alcançou os 50 lugares em S. Bento.
O problema é que o Chega, para ganhar solidez e credibilidade, carece de quadros qualificados, algo que é uma raridade por aquelas bandas, como se nota exuberantemente na composição da sua bancada parlamentar.
Sucede que Ventura, depois da euforia dos bons resultados nas Legislativas, também entrou em perda, suspeitando-se que tenha alcançado, muito mais cedo do que seria de esperar, o seu “Princípio de Peter”.
Ao contrário do que seria expectável – e não obstante já não ter Augusto Santos Silva, como “adversário à perna” na presidência do Parlamento -, Ventura não corrigiu o estilo destemperado, recorrendo, invariavelmente, ao “ruido” comicieiro quando intervém na bancada, seja ao votar ao lado do PS, sem “linhas vermelhas”, seja ao desencadear uma manobra canhestra para enfraquecer e defenestrar o Presidente da República.
Nem Marcelo Rebelo de Sousa precisa destas “ajudas” para reajustar o discurso e evitar deslizes, que os tem com fartura, nem o Chega se engrandece ao tentar denegrir a primeira figura do Estado.
Marcelo errou na improvisada oratória servida no final do jantar com jornalistas da Imprensa estrangeira e só Deus saberá porquê, acreditando que Ele seja seu confidente…
Mas sendo verdade que o que disse nesse jantar não é insusceptível de crítica – e, até, nalguns passos, merecerá reprovação -, nada justifica a absurda acusação de “traição à Pátria”, “embrulhada” à trouxe-mouxe por alguém que é jurista, doutor em leis, supostamente mais capaz de interpretar a doutrina e a jurisprudência aplicáveis do que um leigo básico. E não foi o caso.
Ventura procurou e forçou com as suas diatribes a amplificação mediática, e acabou isolado no hemiciclo, com todas as bancadas – excepto a sua – a votarem a favor do parecer de que foi relatora Isabel Moreira, a quem coube desmontar, juridicamente, o “tiro de pólvora seca” dirigido ao Presidente e julgar improcedente a queixa.
O líder do Chega perdeu credibilidade democrática e fôlego para os desafios que se seguem.
Adicionalmente, se o Chega quiser precipitar eleições antecipadas, “de braço dado” com o PS — imitando a “geringonça” do Bloco e do PCP –, arrisca-se a “encolher” a sua bancada e a concluir que o eleitorado pode ser volúvel e mudar de ideias…
Para azar de Ventura, o actual primeiro ministro começou a “mostrar serviço”, e a marcar a agenda política, sem “papas na língua” no debate quinzenal. Um azar nunca vem só…