Mas o ponto relevante aqui é outro: realista, impressionista ou fantasista, Degas guardava uma espécie de respeito primordial pela configuração das coisas que tinha diante de si. Uma reverência pelo espectáculo material do mundo, que servia como ponto de partida para o gesto criador. É por causa dessa humildade do olhar que, embora Degas tenha sido um experimentador nato, sempre disposto a arriscar pontos de vista e técnicas diferentes, não costumamos encontrar nas suas obras a etiqueta da originalidade esquecida do lado de fora.
Tenho pensado em Degas ao dar-me conta do excesso de auto-afirmação que caracteriza o nosso tempo. A vontade de mostrar ultrapassou a vontade de ver – e parece estar já a grande distância. Não é preciso repetir, a este respeito, a lengalenga contra as redes sociais. Uma manhã no trânsito serve também para perceber como as cidades hoje se assemelham a templos enlouquecidos, onde não faltam profetas a anunciar as suas verdades inspiradas. Ligamos o rádio e, entre locutores, cantores e comentadores variados, um baixo contínuo de opiniões confiantes sobre os mistérios da existência vai-nos entrando pelos ouvidos adentro. Olhamos então lá para fora e, através da janela, sucessivos outdoors têm ordens para nos dar – como numa feira onde os pregões não sugerissem apenas o que comprar, mas como viver. Não quero simplificar demasiado. Também não quero parecer apocalíptico. Mas há algo de estranho numa sociedade tão rica em modelos existenciais, que ao mesmo tempo não faz distinções de qualidade e desconhece a exigência da precisão.