A experiência no Dakar não correu da melhor forma e, após sofrer uma queda, Villas-Boas teve de desistir (ou foi obrigado a desistir porque por ele continuava na mesma). Mais tarde, depois de uma série de exames que não tinham encontrado nada de problemático, ligou a alguns amigos para ir andar a mota mas acabou por ficar a contorcer-se de dores por algo que percebia não estar bem. Confirmou-se: tinha a L1 fraturada. E foi no meio desse processo que foi detetado um tumor na tiroide, que fez com que fosse operado numa intervenção que teve algumas implicações. “Se sou candidato por causa disso? Não, nada, de todo”, garantiu por mais do que uma vez. Houve um mal que veio por bem na vida do antigo treinador mas não foi isso que norteou a sua vida daí para a frente. “Agora se quiserem podem ir ali acima mas nada de fotos”, atirou. Sem dizer dessa forma, Villas-Boas estava prestes a mostrar o coração de uma ideia na cabeça há dois anos.
Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas (é este o nome completo do antigo treinador agora candidato) é bisneto do 1.º Visconde de Guilhomil, José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Villas-Boas e neto de Dom Gonçalo Manuel Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto e Sousa de Villas-Boas, que se casou com a inglesa Margaret Neville Kendall, que vivia em Portugal depois da mudança da mãe para o nosso país para começar um negócio de vinhos. Foi com a avó, que teve um tio (Douglas) que combateu pela Força Aérea Real na Segunda Guerra Mundial, que começou a aprender inglês desde miúdo. Contudo, numa vida de 46 anos com um pouco de tudo, as duas revistas que tem em cima da mesa são de outras línguas.
“O que nós nos rimos neste dia com estas fotografias”, recorda Villas-Boas ao olhar para a última edição da revista Panenka que tem José Mourinho na capa e que tem ao lado outra publicação ligada ao futebol alemã (língua que aprendeu quando estava sem clube entre o Shanghai SIPG e o Marselha). Quando andava ainda no Colégio do Rosário, também por influência familiar (o tio, Pedro Villas-Boas, foi um dos nomes mais importantes nos primórdios do TT nacional e o pai gostava de levá-lo a ver corridas ao Circuito da Boavista), ganhou uma paixão enorme por automóveis e todo o desporto motorizado que mantém muitos anos depois. Todavia, essa uma parte que pretende nesta altura colocar num plano secundário. O candidato é assim, cada coisa no seu tempo. Agora, é o tempo do FC Porto e de uma nova função dentro da ligação ao futebol de três décadas que começou da forma mais improvável possível mas que ganhou corpo de forma natural.
O “Cenourinha”, como também era conhecido quando era mais pequeno, teve uma passagem curta enquanto jogador no futebol amador. Começou no Ramaldense por influência de amigos, ainda passou pelo Marechal Gomes da Costa, não foi mais além disso entre uma posição no meio-campo e umas incursões pela baliza. Aí, como nas horas que passava a jogar “Football Manager” durante a adolescência, era conhecido pela forma como gostava de ter tudo organizado mas revelava mau perder. Um dia, quando se cruzou com o antigo treinador Bobby Robson no prédio onde viviam, perguntou ao inglês o porquê de Domingos não ter mais tempo de jogo. Podia ser apenas porque o avançado era o seu grande ídolo mas não, defendeu a ideia com os números que ia rabiscando nos cadernos que tinham também táticas e movimentos. O britânico não passou ao lado da abordagem, perguntou-lhe se queria ser treinador e abriu-lhe as primeiras portas.
André Villas-Boas tirou o seu primeiro curso na Escócia quando ainda não tinha idade para isso mas porque tinha a recomendação de Sir Bobby. Nessa fase chegou a a acompanhar o Ipswich, tendo depois entrado nas camadas jovens do FC Porto ao mesmo tempo que fazia relatórios de treinos e jogos para o britânico. Aliás, num “outro” museu que não aquele onde nos encontrávamos, o Museu do FC Porto, ainda está uma carta que o antigo selecionador inglês, que entretanto se mudara para o Barcelona, escreveu a Villas-Boas quando fez esse curso inicial. Com uma nuance: após esse período, continuou a receber a revista feita pela Associação de Treinadores da Federação Inglesa de Futebol e foi aí que viu uma espécie de oferta de emprego que vinha das Ilhas Virgens Britânicas. Candidatou-se, fez entrevistas por telefone, teve a sua “aventura” aos 21 anos.