Há umas semanas tive uma conversa sobre os dilemas da cultura em Portugal com alguém moderadamente ligado ao poder político. Discordámos num aspecto em particular. Eu considero que a escolha de um ministro da Cultura oriundo do mundo da cultura é crucial. O meu interlocutor, talvez bem menos lírico e ingénuo, dizia-me que esse aspecto não era minimamente relevante. Na sua opinião, basta ser alguém próximo do aparelho partidário, e sobretudo, ser alguém com peso político para obter algo essencial sem o qual nada se faz — dinheiro.
Disse-me igualmente que a escolha de Pedro Adão e Silva não tinha sido má. É, de facto, alguém com peso dentro do PS e uma personalidade dialogante capaz de desbloquear verbas para um sector habitualmente desfavorecido. Desconheço se a história o irá absolver neste capítulo. Também não será a mais pesada das penas, existem bem piores.
Finda a conversa, não sei se concordei ou discordei. Acontece-me amiúde quando os argumentos são bons. Mas a lógica prevaleceu. De facto, a cultura enfrenta sempre uma espécie de paradoxo ingovernável: se o ministro é forte culturalmente não obtém verbas necessárias para cumprir o seu paradigma; se o ministro tem peso político, não tem paradigmas a defender… Parece-me que foi o que aconteceu com Pedro Adão e Silva. Forte politicamente, mas sem visão cultural.
Certo é que verdadeiramente nada avançou. É possível também que nada tenha recuado. E o problema é mesmo esse. A pasta da cultura em Portugal não passa da gestão possível de recursos que já se encontram previamente atribuídos. Não sobra nada, nem para o mais efémero clip ou agrafo… Prova disso é que sempre se mostrou incapaz de pôr fim ao vergonhoso estado de degradação do património cultural material. É que a entropia não tem cor nem tendências partidárias. Nunca pára na sua voragem imparável de reduzir tudo à sua forma original – o caos. A vítima mais evidente é o frágil património cultural do interior do país, votado ao abandono há décadas.
Aliás, creio que findo este ciclo de 8 anos de governação socialista, ainda por cima, apoiado em parte da caminhada pelo BE e pelo PCP, caiu por terra um dos últimos paradigmas da história ocidental – a de que a cultura é maioritariamente de esquerda. Leia-se o artigo de Sérgio Andrade, publicado no Público em 2019, «Na política cultural, esquerda e direita não têm dinheiro para divergir». Nesse mesmo ano a ministra da cultura, Graça Fonseca, dispôs de 501,3 milhões de euros. Note-se, porém, que mais de metade desse valor foi destinado à RTP. Será que vale a pena investir numa área em que o privado faz o mesmo com menos recursos e com melhores resultados? Será viável apostar numa área em que a RTP1 concorre deslealmente com o sector privado, apresentando, porém, programas de igual gosto e qualidade duvidosa? Será inteligente apostar numa área sem retornos evidentes enquanto o património nacional ameaça ruína? Dever-se-ia apostar apenas na RTP2 enquanto canal institucional com uma programação excepcional, que de resto já tem, e canalizar verbas para a administração da cultura como nunca foi feito? A resposta parece-me clara e levar-nos-ia certamente para outra discussão que importa fazer, mas que não cabe agora aqui. Dalila Rodrigues deveria, no entanto, meditar sobre estas e outras questões…
Aliás, o seu percurso enquanto historiadora da arte, professora universitária e directora de alguns dos museus mais relevantes no panorama nacional, leia-se Museu Nacional de Arte Antiga, Museu Grão Vasco e Mosteiro dos Jerónimos, coloca-a, de facto, numa posição privilegiada para resolver alguns dos problemas aparentemente insolúveis que o sector enfrenta.
Para tal, será importante não perder de vista nem da memória a confrangedora situação que, em 2017, António Filipe Pimentel teve de enfrentar, diga-se em abono da verdade, com inusitada coragem. Recorde-se: encerrar pisos inteiros do MNAA por falta de vigilantes. Eu próprio testemunhei a situação. Visitei o museu diversas vezes com alunos estrangeiros da Flul e percebi no seu olhar o espanto e a absoluta incompreensão com tamanha negligência e penúria de uma instituição como o MNAA. Diga-se igualmente, em abono da verdade, que apesar do evidente escândalo da situação, foram poucas ou quase nenhumas as vozes a denunciar essa situação. Vivia-se a alegria das reposições, o fim da austeridade! Ficava mal ao boneco falar de penúria…
É bem verdade que as boas notícias vão escasseando, mas a escolha de Dalila Rodrigues para ministra da Cultura só pode ser encarado como urgente e promissora. Vamos ver se a máquina partidária não a impedirá de realizar o irrealizável.