Depois da chuva intensa, que provocou graves inundações no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, chegaram as baixas temperaturas, com previsões de 5ºC durante a noite. A precipitação, que se faz sentir no estado desde o fim de abril, pode ter dado tréguas, mas os sinais de destruição mantêm-se.
Autoridades brasileiras descrevem “cenário de guerra” no Rio Grande do Sul. O que provocou as cheias devastadoras?
O balanço mais recente da Defesa Civil, feito na noite de terça-feira, dá conta de 149 mortos, 806 feridos e 112 desaparecidos. Há quase 450 municípios afetados e mais de 538 mil pessoas desalojadas. No total, as autoridades estimam que foram afetadas mais de 2,1 milhões de residentes no estado brasileiro.
Com mais de 79 mil pessoas distribuídas por 770 abrigos um pouco por todo o estado, as autoridades acreditam que vão ter de manter parte destes locais a funcionar ao longo dos próximos meses, revelou Beto Fantinel, secretário de Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul, ao jornal Folha de São Paulo. As estruturas deverão ser usadas para garantir que toda a população tem onde ficar durante a reconstrução, principalmente nos casos em que há perda total da habitação.
Já foram resgatadas mais de 76 mil pessoas e 11 mil animais. Os trabalhos de resgate, levados a cabo por mais de 27.600 efetivos, continuam mas há na cidade de Porto Alegre, uma das mais afetadas, quem se recuse a abandonar as casas. A capital do estado, que é banhada pelo rio Jacuí e pelo lago Guaíba – que subiu quase meio metro esta terça-feira – tem agora carros completamente alagados, animais mortos nas ruas e móveis a boiar, relata a BBC News Brasil.
A equipa de reportagem da BBC relata uma cidade em silêncio, que é apenas interrompido pelo barulho dos barcos de bombeiros ou de motas aquáticas de voluntários que ajudam nos trabalhos. Mas os cerca de 20 moradores que ainda continuam num bairro de Eldorado do Sul, a 12 quilómetros da capital Porto Alegre, recusam a ajuda, apesar de estarem completamente cercados por água.
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“Vou ficar por aqui. Há muitos roubos. Ontem de noite houve tiroteios. É uma cidade sem lei. Não vou arriscar porque há muita ladroagem”, explica Fábio Meneghetti, um dos moradores, à equipa da BBC News Brasil. A cidade é um “deserto”, acrescenta, “só ouço balas a passar”, numa alusão às pilhagens. Fábio prefere salvaguardar o pouco que lhe resta em casa.
Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador
Rio Grande do Sul em “cenário de guerra”
“Tenho comida, tenho bolachas, tenho sopa, tenho tudo”, completa outro morador, João Carlos Velasquez Batista, a partir da casa inacabada onde vive. Disse que só abandonará a habitação se a água subir até ao teto do segundo andar da casa. “Só se o rio subir cinco metros. Tenho um cavalete de 2,5 metros, rebento o telhado e saio de helicóptero. Mas hoje não me vão levar.”
Até agora, o Guaíba continua a não recuar significativamente, apesar de a chuva ter parado. Às 4h15 locais, 8h15 em Lisboa, a água chegava a 5,21 metros, contra os 5,25 metros ao fim da noite de terça.
Lula da Silva, o Presidente brasileiro, vai estar esta quarta-feira em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para anunciar mais apoios ao estado. O jornal Valor avança que deverá ser anunciado um apoio de 600 a 1.200 reais por mês para as famílias desalojadas, citando fontes do governo brasileiro. À atual conversão, os apoios representam entre 108 a 216 euros.
A medida deverá juntar-se ao voucher de cerca de 5 mil reais (900 euros) que o governo pretende dar a cada família desalojada.
As inundações levaram ao encerramento do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, logo a 3 de maio. A Fraport, a concessionária que administra o aeroporto, emitiu um comunicado onde diz que as operações “continuam suspensas por tempo indeterminado”. De acordo com o G1, as operações podem só ser retomadas em setembro.
A nota da Fraport veio desmentir as informações sobre uma possível data de reabertura para breve. Por agora, mantém-se a suspensão até dia 30 de maio. A concessionária diz que ainda não tem uma estimativa dos danos causados pelas inundações. Só quando as águas baixarem é que haverá “condições de avaliar em detalhe os impactos na infraestrutura aeroportuária”.
Por agora, estão suspensas as vendas de bilhetes de avião com partida e chegada ao aeroporto.
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A imprensa brasileira tem partilhado diversos casos ligados às inundações no sul do Brasil. Num deles, da BBC News Brasil, é relatado como o jornalista Rafael Guimaraens, autor de um livro sobre a enchente de 1941, que afetou o Rio Grande do Sul, ficou isolado quando a água invadiu o apartamento onde vivia.
Guimarens, de 67 anos, reconhece a ironia da situação. Teve de sair do apartamento no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Agora, está abrigado no apartamento de uma amiga, com a mulher, a editora Clô Barcellos.
“Este livro tem uma trajetória interessante”, disse Clô Barcellos, que viu o armazém da editora Libretos ser completamente inundado. “Em 2015, houve uma enchente na Voluntários [da Pátria, rua onde fica a editora], a água entrou e levou só A enchente [de 1941] e outra obra, Águas do Guaíba. Até brincámos que a ‘água está a recuperar os livros’”.