Suzanne Maloney, que foi conselheira de várias administrações norte-americanas sobre o Irão, explica num ensaio publicado recentemente na revista Foreign Affairs como a rede que inclui Hezbollah, Hamas e outras milícias no Iraque e Síria são fulcrais para Teerão: “Um elemento-chave da estratégia na sua vizinhança é o cultivo de um ‘eixo da resistência’, uma rede informal de milícias regionais com estruturas de organização discretas, interesses combinados e ligações ao sistema de segurança e religioso do Irão”, escrevia no início de abril. “O fundador da República Islâmica, o ayatollah Ruhollah Khomeini, defendia que a exportação da revolução era necessária para assegurar a sua própria sobrevivência.”
Desde 1979 que essa estratégia não se alterou. Para além da “exportação da revolução”, as milícias pró-Teerão funcionam como uma rede de atores que agem por procuração, combatendo em conflitos na região no lugar do próprio Irão — é assim no Líbano, com o Hezbollah, mas também na Síria. E, é claro, com o Hamas na Faixa de Gaza.
A noite em que a “guerra-sombra” do Irão e de Israel ficou a um passo de se tornar uma guerra aberta
Com os ataques crescentes de Israel às figuras que mantêm esta rede em funcionamento, Teerão decidiu que tinha de agir. A que se soma o facto, como tinha apontado ao Observador o investigador Bruno Cardoso Reis na noite do ataque, de que o país quer combater “a ideia de que o Irão está a fazer muito pouco em relação ao Hamas e a Gaza”. Para manter o seu status como a maior potência islâmica da região, o regime achou que tinha de se envolver mais diretamente no conflito com Israel — até para salvar a face junto das suas milícias.
O plano externo, porém, não é o único fator que ajuda a explicar esta mudança de estratégia. Afinal, não é de agora que Israel ataca figuras de relevo da Al Quds, por exemplo. Mais: Israel já chegou a atacar o Irão no seu próprio território, com missões da Mossad que eliminaram cientistas pertencentes ao programa nuclear do país.
Desta vez, contudo, a pressão interna era muito maior. “Nunca vi um grau de pressão vinda de baixo como este ao longo dos últimos dez dias”, resumiu Ali Vaez, analista iraniano do Crisis Group, ao New York Times.
Nos media iranianos e nas redes sociais, várias figuras expressaram diretamente o desejo de retaliação depois do ataque ao consulado, como o jornalista Hossen Shariatmadari, que decretou que ataques a embaixadas israelitas seriam “um direito legítimo” do Irão, notou o Financial Times.
O clima explica-se em parte pela ascensão de um grupo de ultraconservadores mais jovens, que começam a ter influência direta nas instituições e a criticar abertamente os “patriarcas”, como lhes chamam. Uma investigação do Financial Times de março nota como várias destas figuras, como o apresentador de televisão tornado deputado Amir-Hossein Sabeti e o clérigo Hamid Rasaee. “Os super-revolucionários não são muitos em termos de números, mas as suas vozes estão a ser cada vez mais ouvidas”, resumiu ao jornal o político reformista iraniano Mohammad Sadegh Javadi-Hesar.