Muito se fala da conhecida COP21 em Paris, que trouxe uma grande mudança de paradigma em termos de política internacional climática com o reconhecimento de que, apenas com o contributo de todos, é possível ultrapassar o desafio das alterações climáticas. Embora esta transição pareça recente, a verdade é que, em 2025, celebramos dez anos deste acordo e não podemos ficar indiferentes ao que ainda há por fazer. É preciso descarbonizar Portugal e essa é uma responsabilidade de todos.
Após a ratificação do acordo, a Europa e os países europeus desenharam um conjunto de metas ambiciosas com o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global abaixo dos 2ºC face a valores da era pré-industrial (preferencialmente 1.5ºC). É aqui que surge a meta de se atingir a neutralidade carbónica em 2050. Tendo em conta a relevância e a grandeza do objetivo europeu, os países tiveram de começar a adotar medidas que contribuam para a transição energética e Portugal não foi exceção.
Em 2022, a Lei de Bases do Clima entrou em vigor e veio dar o primeiro passo no reconhecimento do estado de emergência climática, passando a vigorar na legislação portuguesa o direito ao equilíbrio climático, o direito de defesa contra os impactos das alterações climáticas, os deveres climáticos e o poder de exigir das entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e obrigações a que se encontram vinculadas em matéria climática. Todo este contexto trouxe-nos uma perceção clara da realidade: o dever de proteger, preservar, respeitar e salvaguardar o equilíbrio climático é de todos, através da colaboração entre o Estado, as entidades públicas e privadas, as regiões autónomas e os cidadãos.
Para isso, o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030) destaca a década 2020-2030 como essencial para o sucesso desta ambiciosa meta, sendo nesta fase que se devem concentrar os maiores esforços de redução de emissões de gases de efeito de estufa (GEE), para o alinhamento da economia nacional com uma trajetória de neutralidade carbónica.
Descarbonizar Portugal e a economia nacional tem diferentes dimensões: a energética, focada na transição energética, com foco na eficiência, nas energias renováveis, na segurança e na dependência e interligação com outros países; as emissões de GEE, com destaque para os setores com maiores emissões, como o dos serviços, o residencial, os transportes, a agricultura, a água e os resíduos; a inovação e conhecimento, seja pelo desenvolvimento de novas tecnologias de baixo carbono, como pela qualificação de pessoas para a nova economia; e a fiscalidade ambiental, através das receitas fiscais associadas a combustíveis fósseis.
Tendo por base esta estrutura, Portugal tem demonstrado uma clara progressão no desempenho em termos da dimensão energética. Além de, desde 2021, não existir produção de eletricidade por queima de carvão, dados da REN de 2023 demonstram que a produção de energia de fontes renováveis permitiu o abastecimento de cerca de 61% do consumo elétrico nacional e, entre 1 de janeiro e 12 de março de 2024, as renováveis abasteceram 86% do consumo nacional. Contudo, a descarbonização é uma mudança que se precisa que seja integrada e, nas dimensões de redução de GEE, inovação e conhecimento e de fiscalidade, ainda existe muito a fazer.
Desde logo, é fulcral a redução das emissões de GEE. O setor da mobilidade e dos transportes, a par com o setor da agricultura, continuam a atrasar o caminho do país face à descarbonização. Segundo o Climate Change Performance Index (CCPI) – órgão responsável por medir o desempenho climático dos países – o automóvel continua a ser o meio de transporte urbano e não urbano dominante, o uso de transportes coletivos é baixo e está a verificar-se um aumento das emissões provenientes do transporte rodoviário, tendência também crescente no setor agrícola.
A fiscalidade ambiental também é uma dimensão que necessita de ser repensada, nomeadamente quando compreendemos que apenas em 2030 será considerado o fim dos subsídios fiscais aos combustíveis fósseis ou na falta de apoios às famílias para a transição energética, uma vez que a maioria não é considerada vulnerável.
Propositadamente, deixei para última reflexão a dimensão inovação e conhecimento. Os resultados da dimensão energética têm sido amplamente apoiados pelos avanços tecnológicos e pelo investimento em inovação no setor privado. No entanto, e trazendo a lógica da oportunidade que a inovação e o conhecimento acrescenta, será que a criação de valor conjunto não está abaixo do seu potencial? Será que o país, pela sua dimensão, geografia e pelos apoios à investigação e ao desenvolvimento, não deveria ter a sua indústria com um nível de emissões mais baixo? Será que as sinergias entre cadeias de valor potenciadas por uma economia circular saudável não poderiam já permitir reduzir a quantidade de recursos consumidos (e emissões geradas)? Será que a colaboração temática entre cadeias de valor não poderá ser desbloqueada pelas empresas, face à velocidade atual do Estado de promover a economia circular?
Existem algumas críticas à legislação climática portuguesa, nomeadamente nos mecanismos de operacionalização. Contudo, é claro que em matéria de direitos e deveres, estes são de todos, sejam entidades públicas e privadas, sejam cidadãos. Nesta perspetiva do coletivo, a operacionalização está nas nossas mãos, tal como o convite às empresas para refletirem de forma conjunta a descarbonização. Olhar para as cadeias de valor e para as fraquezas que se podem transformar em oportunidades de colaboração é fundamental para aceitar a transição para uma economia baixa em carbono: essencial num estado de emergência climática.