Um “panelaço” que se vai repetir nos próximos dias. A capital moçambicana Maputo foi esta sexta-feira novamente tomada pelo som de panelas a partir das 21 horas locais, em resposta ao apelo do candidato presidencial Venâncio Mondlane, visando “fechar em grande” a primeira etapa da quarta fase das manifestações por convocadas pelo candidato presidencial. Este sábado, Mondlane denunciou o uso de força excessiva pela polícia durante a manifestação, mas voltou a convocar mais “panelaços”. A plataforma eleitoral Decide estima que 22 pessoas tenham morrido nos últimos três dias de protestos.
Os sons das panelas, apitos, cânticos, bidões e colheres voltaram a tomar várias ruas da capital moçambicana na sexta-feira, em que milhares de manifestantes começaram a tocá-los dentro de suas residências, mas à medida que o som intensificava, iam ocupando as ruas.
Nos bairros Central, Polana Caniço, Mafalala, Urbanização, Albazine, Mavalane, Maxaquene e Mahotas, no coração de Maputo, bem assim como Machava, Patrice Lumumba, Machava, Ndlavela, 1.º de maio e T-3 na província de Maputo, foram ocupadas por manifestantes chegando a condicionar o trânsito nas principais vias, com a queima de pneus.
Numa live de Facebook este sábado de manhã, Venâncio Mondlane elogiou a “postura e a integridade” dos manifestantes, principalmente pela sua “cultura cívica e política”.
No entanto, o candidato presidencial moçambicano denunciou o uso de força excessiva pela polícia durante os protestos. “Houve registo de relatos de polícias em viaturas vestidos à paisana com armas atropelando pessoas, atirando contra inocentes, assassinando pessoas inocentes”, denunciou Venâncio Mondlane, frisando que o “panelaço” foi uma “manifestação pacífica”.
“Mesmo assim, alvejaram pessoas e mataram pessoas. Invadiram casas sem nenhum mandato para disparar. É isto que nós temos. É o que temos em Moçambique. É esta polícia que temos visto”, prosseguiu Venâncio Mondlane, acusando as forças de segurança do crime de “terrorismo de Estado”.
Segundo um relatório divulgado pela plataforma de monitorização eleitoral Decide a que a agência Lusa teve acesso, e que aponta dados dos três dias de protestos — 13, 14 e 15 de novembro — da nova fase de protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, sete mortes foram registadas na província de Nampula (norte), duas na Zambézia (centro), nove na província de Maputo (sul) e quatro na cidade capital.
Venâncio Mondale adiantou, na mesma live do Facebook deste sábado, que vai anunciar no que consistirá a “segunda fase da quarta etapa” dos protestos, que começa na próxima terça-feira, dia 19. Até essa data, o candidato presidencial pediu aos manifestantes para voltarem a dar uso às “panelas, latas, bidões, apitos, buzinas e vuvuzelas”: “Vamos manter a manifestação por via do panelaço. Sábado, domingo e segunda-feira das 21 às 22 horas nas casas e quintais”.
Já esta sexta-feira, em imagem a que a Lusa teve acesso, para além colheres, panelas paus, tambores e buzinas de carros que se juntaram aos protestos, os manifestantes aparecem e vários vídeos empunhando dísticos com escritos como “Este país é nosso”, “Salve Moçambique”, “Queremos justiça”, em protestos contra os resultados eleitorais anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Venâncio Mondlane já tinha apelado na sexta-feira a uma manifestação com recurso a “panelas e apitos” a partir das 21 horas locais, referindo que a ação visa “fechar em grande” a primeira etapa da terceira fase das manifestações e paralisações.
Já este sábado, algumas dezenas de professores manifestaram-se no centro de Maputo, de bata e com reivindicações da classe, exigindo justiça — um protesto, em forma de marcha, que as forças de segurança ainda tentaram travar com disparos de gás lacrimogéneo, depois de conduzir cinco dos manifestantes à esquadra.
Convocada pela Associação Nacional dos Professores de Moçambique (Anapro) para o dia seguinte aos três dias de um novo período de paralisação e manifestações nacionais convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, a manifestação pretendia reclamar o pagamento de 22 meses de horas extraordinárias em atraso, mas rapidamente os professores entoaram cânticos habituais nos restantes protestos, como “Salvem Moçambique”.
A saída da manifestação estava prevista para o Jardim dos Professores, pelas 09h00 locais (07h00 em Lisboa), mas os primeiros cinco que chegaram ao local, uma hora antes, foram levados para a 2.ª esquadra, em Maputo, com a polícia a insistir que não havia condições para a marcha.
Cerca das 10h00 a manifestação acabou por sair, perante a insistência dos professores, mas ao fim de algumas centenas de metros, junto ao Instituto Comercial de Maputo, a polícia bloqueou os manifestantes lançando gás lacrimogéneo, com os docentes a refugiarem-se no interior daquela escola do centro de Maputo.
Após alguns minutos de tensão e nova negociação com a polícia, os manifestantes acabaram por voltar à rua, mas já com escolta, levando o protesto até à estátua de Eduardo Mondlane, noutro extremo da cidade, entoando cânticos como “Professor é povo” ou “Não matem o nosso povo”, e recordando que há salas de aula, atualmente, com mais de 200 alunos, acabando o protesto por decorrer sem novos incidentes.
“Não esperávamos que fôssemos escorraçados do nosso próprio jardim [local da concentração]”, afirmou o presidente da Anapro, Isac Marrengula, no final da manifestação, recordando que após o entendimento com a polícia a marcha, que era “pacífica”, decorreu “sem escaramuça”.
“É possível que se façam marchas pacificas como foi o nosso caso. Só temos a lamentar a atitude da polícia, que tentou desencorajar esta marcha”, afirmou o dirigente, garantindo que a manifestação foi comunicada à polícia e ao município e que os dirigentes estavam a ser “ameaçados”, para não a realizarem.
À saída da manifestação, Cristina Souto, professora de língua portuguesa, admitia: “A situação não é boa”.
“Estou aqui a protestar por causa dos nossos direitos, que são constantemente violados (…) Essas horas extras não são pagas, não somos obrigados a trabalhar, mas trabalhamos assim mesmo”, afirmava, pouco antes de sair mesmo à rua, entre cânticos como “recolham as balas e transformem em giz”.
Este protesto, e um outro dos médicos, há mais de uma semana, surge num contexto de forte agitação social nas últimas três semanas em Moçambique, sobretudo Maputo, com manifestações e paralisações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 9 de outubro, que têm degenerado em conflitos com a polícia, que responde com o lançamento de gás lacrimogéneo e tiros para dispersar os manifestantes, que queimam pneus e contentores do lixo nas ruas.
Bernardo Silva Jahane, docente há nove anos, foi um dos primeiros a chegar ao Jardim dos Professores, que encontrou de portas fechadas, e esteve no grupo que foi levado à esquadra, sem saber porquê.
“Não nos intimidados e pronto. Chamaram o carro [da polícia] e vieram-nos deixar aqui”, explicou, à saída da esquadra, onde esteve cerca de 45 minutos com outros quatro colegas.
Zacarias Doce foi outro desses professores e, como porta-voz da associação em Maputo, ainda tentou perceber junto do comandante da força no terreno os motivos que levaram a polícia a travar o protesto, antes de todos serem levados. “Ele simplesmente disse que não vamos marchar. Nós, porque estamos firmes na nossa luta, permanecemos no local combinado, a nossa insistência de ficar levou que a polícia nos levasse”,
Todos foram identificados na esquadra, mas depois juntaram-se ao restante grupo que se fez às ruas do centro de Maputo.
No final, o presidente da associação, que conta com 4.000 membros, avisou que a contestação não se fica por aqui, na exigência, nomeadamente, do pagamento das horas extraordinárias, e pretendem avançar para o “congelamento” das notas do terceiro trimestre do ano letivo de 2024, que está a chegar ao fim, inviabilizando os exames finais, e do arranque do ano escolar de 2025.
“Nós saímos à rua para dar voz aos quase 180 mil professores que a função pública tem. Este é o grito não só dos professores da Anapro, mas todo o professor moçambicano”, concluiu Isac Marrengula.