Grande parte das leituras que se têm feito sobre os resultados das eleições europeias têm estado centradas – e bem – em Luís Montenegro e em Pedro Nuno Santos. Mas, e por muito acertada que seja a discussão, essa análise despreza o facto de haver outro jogador em campo, um protagonista que vale 50 deputados na Assembleia da República, que recebeu mais de um milhão de votos nas últimas legislativas e que tem, se assim quiser, a possibilidade de salvar o Orçamento do Estado de Montenegro. Basta votar a favor e a crise política ficaria afastada até 2026. Simples. Logo, André Ventura não deve ser nem esquecido, nem desresponsabilizado.
Em rigor, ninguém sabe o que fará o líder do Chega. Mas há um padrão de comportamento que permite retirar algumas pistas. Além do conhecido apetite de Ventura pelo caos, onde se move como nenhum outro, e além da ‘cheringonça’ que vai animadamente alimentando com o inimigo que jurou derrotar — o PS –, ainda os resultados das europeias não tinham arrefecido e o líder do Chega já fazia saber que ia chumbar o programa de governo de Miguel Albuquerque, precipitando a Madeira em mais um impasse político. Quem esperava que Ventura tremesse depois das europeias teve aí o primeiro sinal de que é preciso alguma cautela quando se antecipam comportamentos de quem é, por definição, imprevisível.
Mas André Ventura está, de facto, numa posição muito complexa. As eleições europeias trouxeram duas grandes lições: o crescimento eleitoral do Chega não é uma inevitabilidade; e quando o partido não consegue mobilizar os abstencionistas e o voto de protesto, porque não há grandes incentivos para votar e porque o protesto pelo protesto não é combustível que baste, os resultados são bem mais modestos. Num cenário de novas eleições antecipadas num curto espaço de tempo, e numa situação em que o Chega fosse corresponsável por uma crise política, é legítimo admitir que o partido poderia encolher.
E poderia encolher, essencialmente, por três razões: cansaço, incompreensão e desmobilização. Um carrossel de eleições afasta aqueles que são, tradicionalmente, abstencionistas. Em segundo lugar, e por muito difícil que seja caracterizar a massa heterogénea de eleitores do Chega, haverá, por certo, quem penalize um líder de direita que derrube um governo de direita e alimente o PS. Em terceiro e último lugar, o Chega pode encolher porque sendo um partido que se alimenta muito do voto de antissistema, é preciso que haja renovados motivos para votar contra o sistema.
As últimas eleições legislativas aconteceram há três meses, depois de o governo socialista, já atolado em casos e casinhos, ter caído por suspeitas de corrupção e depois de serem encontrados 75 mil euros em dinheiro vivo escondidos em São Bento; até ver, Luís Montenegro está empenhado em não cometer os mesmos erros. A menos que algo de muito extraordinário aconteça nos próximos meses, não é possível antecipar um caldo de cultura tão fértil para o crescimento eleitoral do Chega como aquele que se cozinhou em março.
Todos estes fatores recomendariam prudência a André Ventura. Mas é aqui que a coisa se torna realmente complexa para o líder do Chega: é que ficar parado também é um grande risco para o partido. Luís Montenegro já mostrou que grande parte da sua estratégia para alargar a base eleitoral da AD passa por corresponder às expectativas de determinados segmentos eleitorais (mais novos, mais velhos, professores, profissionais de saúde, forças de segurança) e agarrar determinadas bandeiras que são caras à direita mais conservadora (corrupção e imigração, por exemplo).
Ora, em condições normais, quanto mais tempo Montenegro estiver no poder, mais tempo terá para picar determinados balões, esvaziar a tensão social que (também) alimenta o Chega e crescer em futuras eleições. Porque a permanência no poder tem esse efeito — basta recordar que, desde Cavaco Silva, só dois chefes de Governo em funções perderam eleições, Pedro Santana Lopes e José Sócrates, e em circunstâncias muito excecionais.
Por outras palavras: quanto mais tempo André Ventura esperar por próximas eleições legislativas, mais diminuída pode ficar a base eleitoral que lhe deu um milhão de voto. Nesse aspeto particular o líder do Chega, que tem assumidamente ambições de substituir o PSD como maior partido líder à direita, está numa corrida contra o tempo. Por outro lado, se se precipitar, pode cansar e afastar os seus eleitores. É o paradoxo Ney Matogrosso: se ficar o bicho come, se correr o bicho pega.
O melhor que poderia acontecer a André Ventura era ver confirmada uma aliança entre Montenegro e Pedro Nuno que lhe permitisse provar — como tem dito repetidamente — que é ele o “líder da oposição” e que o “bloco central de interesses” não abdica do poder. Pode ser que Pedro Nuno Santos, de tal forma pressionado, entregue esse trunfo de bandeja a Ventura. Seria surpreendente. Mas nessa altura Ventura vai ter de se definir: decidir se quer ser ou não percecionado como um obstáculo à afirmação de uma maioria à direita agora e no futuro. Não há saídas fáceis.