História
O primeiro ensaio a solo só podia refletir o conjunto de viagens, aplicadas ao fine dining. Com 34 anos, o chef natural de Monza, onde começou a trabalhar, leva boa parte da vida no interior de cozinhas. Estreou-se na Osteria del Pomiroeu, no triestrelado Da Vittorio, e na Osteria La Lira, sempre de volta da comida tradicional do seu país. Aos 27 anos, o italiano fez as malas e partiu à descoberta culinária do mundo. Durante cinco primaveras, liderou a cozinha de um boutique hotel na ilha de Exuma, nas Bahamas. Na ressaca da pandemia, trocou os trópicos pelo norte da Europa, rumando ao não menos estrelado Geranium. Entre o frio da escandinávia e o braseiro caribenho, Lisboa tornou-se pouso apetecível para fixar a residência e negócio seguintes. De forma pragmática, digamos que a situação fiscal não é menos convidativa para quem chega de fora.
“O Geranium é mais baseado na estética, e menos na consistência da comida. Não quero demasiada filosofia na comida. Comida é comida. Queremos comer boa comida, ficar satisfeitos. Queria expressar-me, fazer o que gosto, que é cozinhar com um lado artístico, sim, mas o essencial é a comida.”, descreve o chef, que depois de desembarcar em Lisboa, há um ano e meio, ainda se manteve como chefe de partida no Belcanto, mantendo a convicção de que o futuro teria sempre que interligar referências várias. “Para mim seria aborrecido fazer um restaurante italiano, depois de todas estas experiências que colecionei, queria algo mais internacional, mas sempre divertido. Não queria nada muito formal, quem vem tem que se sentir confortável, bem recebido, não tem que ser pretensioso. Digo sempre à equipa que tem que perceber o cliente e o feedback, seja ele positivo ou negativo, temos sempre espaço para melhorar.”
A 2 de maio, o Vibe abriu oficialmente portas na Rua da Horta Seca, no Chiado, funcionando apenas ao jantar, entre quarta e domingo. “Hoje temos que servir uma experiência, se vamos gastar um certo montante queremos uma experiência 360. Encontrámos o restaurante assim, a localização era ótimo, só faltava dar-lhe vida. Foi uma ótima oportunidade.”
O espaço
Se chegou a conhecer o Nómada (anterior ocupante desta morada que não resistiu à pandemia) não encontrará diferenças no layout — a não ser de facto no conteúdo dos pratos (boa parte da louça com o selo Studio Neves). O espaço, com níveis diferentes, é pequeno e exclusivo para adultos. E para quem entra desprevenido no número 5B da Rua da Horta Seca, é bem capaz de seguir excessivo balanço até lá abaixo (onde encontra outro restaurante). O Vibe fica a meio caminho, do lado direito, qual segredo bem guardado à vista de todos (ou dos menos pitosgas).
À entrada, encontra agora um bar que dá as boas vindas. Do lado direito, uma mesa maior adequa-se a uma refeição mais reservada. Descendo as escadas, qual túnel misterioso de Alice no País das Maravilhas, de curta extensão, alcançamos a zona principal. Pouco mais de 10 mesas convidam a uma reserva para dois (quatro no máximo) para uma experiência mais intimista — deixemos os jantares de grupo para outras instâncias. Se reparou no pormenor sobre o guardanapo, ali está para anunciar de forma simbólica uma experiência que não está guardada a sete chaves mas promete a devida surpresa. Para informação adicional ao longo da refeição, abra o pequeno cofre à sua frente e explore as notas descritivas sobre cada momento.
A comida
Seria mais fácil afinar um menu infalível e longevo, que funcionasse o ano inteiro e nunca soasse a marasmo entre a roda viva de turistas. Seria. Mas também seria “muito aborrecido”. “Quis encontrar uma forma de manter a motivação da equipa em altas. Nunca é só a comida, é o que está por detrás da comida, é uma história que contamos. Queremos ingredientes 100% portugueses, há imenso para oferecer.”
No Vibe, o plano é mudar a oferta a cada quatro meses. Por agora, contamos com o Creole Cajun, para uma viagem pela “conhecida riqueza culinária” da Louisiana, entre influências africanas, francesas e indígenas. “O camarão, as ervilhas, o feijão… Queríamos contar a história de Bateau Rouge, de Nova Orleães. No próximo, jogamos em casa. O outono é perfeito para contar a história culinária de Milão e Turim.” Piemonte será assim a região que se segue. Seja qual for o destino em cima da mesa, o produto é local, e o mundo chega dos quatro cantos, tal como as sugestões de rótulos que nos acompanham ao longo desta note — da Eslovénia à Hungria, de Valência a Sicília.
Uma vez no Vibe, resta-lhe apanhar boleia e decidir-se entre os dois menus disponíveis, o Easy Peasy (cinco momentos, 75 euros) ou o Big Easy (sete momentos, 90), ambos preparados para uma harmonização com vinhos (ou uma visita alternativa à carta de cocktails). No primeiro caso, o pairing sugerido acresce 55 euros, e no segundo 75 euros.
Aventuramo-nos destemidamente pela versão mais extensa, para um arranque entre três snacks, de uma tartelete a um dirty rice. Primeiro, o lagostim de rio, conserva de quiabo picante, e alheira; depois o crocante de arroz, ketchup cajun de beterraba, parfait de fígado de porco, confit de cebola, e pickles; e por fim a gamba fumada, molho remoulade, purê de abacate, e pickled de rabanete.
Segue-se no alinhamento a ostra de Setúbal, elevada a um luxuoso momento ao estilo John D. Rockeller, com um expressivo banho verde da cor do dólar (trata-se de molho de agrião e queijo São Jorge, mais o crocante).
Next? Um ovo sous-vide, com base de alcachofra, molho holandês, e alho francês queimado.
Não se assuste quando depositarem duas maçarocas na mesa (milho que vem do Canadá e que é plantado nos Açores). Não, não abandonámos o registo de fine dining, nem será necessário sujar as mãos: faz tudo parte do storytelling — porque o que se segue no elenco é um muffin de milho, manteiga de lagostim, pó de limão queimado e flor de sal.
“Boa ou má a comida nunca é só comida. Claro que deve ser boa. Pelo menos 70 por cento do menu deve ser apreciada. Não tem que gostar do menu inteiro. Se for a outro restaurante também não recordará tudo. Claro que deve recordar por bom tempo pelo menos um prato e a motivo pelo qual aqui veio”, elabora Mattia.
Mas sigamos pelo peixe, aqui num prato “bom para a ressaca”, frisam nas apresentações, inspirado nas Bahamas. É tempo de hoje brilhar a corvina grelhada, com polenta, limão preservado e feijão frade.
Suspeita-se que a seguir ao peixe se apresente ao serviço a carne, e é mesmo isso que sucede. Eis a presa de porco preto, pikliz, molho de laranja, molhas verdes, e purê de cenoura.
A banana caribenha que poderia dar forma à sobremesa é agora da Madeira, rematada com vinho Carcavelos. Junta-se ao donut com gelado de casca de banana fermentada, e praliné de avelâ, para uma sobremesa de boa memória.
Mas antes disso, um Sorbet de Daiquiri, milhos dos Açores, e pudim de leite de cabra. Rockefeller daria a sua nota por bem empregue.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.