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A representação de Gardeazabal – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 9, 2023

Em Junho de 2023, surge, novamente com selo da Companhia das Letras, mais um romance de José Gardeazabal. Na linha dos anteriores, a estratégia de comunicação do autor passa pela difusão dos sentidos. Em A mãe e o crocodilo, tudo é simbolismo, nada é tijolo assente, e a leitura per se é uma procura em vez de uma recepção.

Aqui, temos uma cidade fronteiriça, em disputa, e um homem lá dentro em busca do passado. Este passado vai aparecendo numa prosa que salta com regularidade entre analepses e prolepses, cabendo ao leitor montar um puzzle. Aliás, cedo se entende que a leitura não será escorreita e que caberá a quem lê procurar o sentido das peças para pôr a correr a engrenagem. Vladimir, narrador, trabalha numa fábrica de reciclagem que é uma ironia por si só, uma vez que deixa ao deus-dará tanto os trabalhadores quanto o ambiente. Estes toques de ironia são já habituais em Gardeazabal, que deles fez uso permanente em, por exemplo, Quando éramos peixes.

Vladimir vive com um crocodilo que o pai lhe deixou e uma mãe que nada lhe diz sobre o pai desaparecido. Está algures no centro da Europa, num lugar ex-fascista, ex-comunista e ex-industrial, tudo por esta ordem. O homem vai observando o crocodilo e fantasiando com a ideia de uma relação com uma mulher. Com isto, a narrativa vai existindo em dois planos: existe a questão do quotidiano, de um homem que se volta para os seus elementos próximos e para o que lhe falta; e existe a questão de um contexto que já parece fazer a súmula dos conflitos europeus do século passado. E, pelo século passado, depressa se chega ao XXI. A chegada de um grupo de refugiados à cidade muda as rotinas a Vladimir e, a uma primeira vista, podia parecer que serviria para que o romance desse uma guinada, mas, sendo esta uma composição fragmentária, a mudança de rumo de rumo existe só como sensação ao longe. Tal acontece porque a própria empatia com Vladimir – e isto apesar de este ser narrador, de o leitor estar ligado à sua voz e à sua forma de dizer – já se torna difícil. Esta parece ser a intenção do autor, que depura a prosa até só haver, mais do que sentidos, a ressignificação dos sentidos.

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