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A coragem de Leonore, a angústia de Florestan e o regresso à única ópera de Beethoven – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Jan 20, 2024

Estamos perante uma casa que podíamos situar temporalmente algures entre os anos de 1960 e a década seguinte. Papel de parede, algum mobiliário estilo retro, carpetes no chão, um piano acústico, escrivaninha (também ela vintage) e a respetiva máquina de escrever. O ambiente é cinzento e, à partida, ambíguo perante a história que ali se irá desenrolar. Podemos estar na Alemanha de leste, marcada pela repressão da polícia secreta Stasi, ou em Portugal, às portas da Revolução de Abril. O que é que tudo isto tem a ver com o compositor Ludwig van Beethoven (1770-1827)? Nada e tudo – mas lá chegaremos. É neste cenário, dispositivo cénico da Staatsoper Hamburg e do Teatro Communale di Bologna, que se desenrola a ação de Fidelio, a única ópera composta pelo compositor vienense, estreada em 1805, marcada pelos ares de mudança que se manifestavam na Europa desde o implodir da Revolução Francesa, em 1789. Sobe agora ao palco do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, numa produção conjunta com o Teatro Nacional de São Carlos, para duas apresentações, dias 21 e 23 de janeiro, domingo e terça-feira.

Aos primeiros compassos da abertura de Fidelio, a mestria musical de Beethoven é irremediavelmente reconhecida. “A sua música é humanista e de ambições universais e estava à frente da sua época”, realça o maestro Graeme Jenkins, que regressa a Portugal para dirigir a Orquestra Sinfónica Portuguesa. Daí que não importe realmente o tempo onde se situa aquela que é a sua única ópera, acrescenta. Beethoven tinha um processo criativo tortuoso e dilacerado. Assim comprovam os numerosos cadernos de esboços de compositor, onde chegava a anotar dezenas de variantes de uma mesma frase musical e onde se pode constatar o ímpeto contínuo da reescrita.

Pela extrema autocrítica, mas também pela aspiração de tornar as suas composições universais, quase todas as suas obras foram objetivo de sucessivas revisões. No meio das suas muitas e celebradas criações, talvez nenhuma tenha uma génese tão conturbada como aquele que é a sua única ópera – composição que muitos críticos apelidam como sendo o seu “filho mais querido”. Apresentada pela primeira em 1805, Fidelio ou Leonora – conforme o compositor preferia chamar-lhe – conheceu ainda mais duas versões: uma de 1806 e uma final de 1814, esta última a que mais consenso reuniu e, também por isso, a mais correntemente interpretada.

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