Atleta-atriz-super estrela dos tempos modernos. A história de Sonja Henie (1912-1969) não só dava um filme como ela própria se tornaria cabeça de cartaz em longas-metragens. Apelidada de “Cisne branco”, ou “Rainha do Gelo Nórdica”, antecipou-se a Shirley Temple enquanto fenómeno adolescente de generosas proporções. Com um trajeto fulgurante, talvez poucos saibam hoje quem foi a três vezes campeã olímpica, dez vezes campeã do mundo. E muitos menos saberão que a norueguesa se estreou em 1924, com apenas 11 anos. Em Chamonix, aquela que se tornaria uma das maiores patinadoras artísticas de todos os tempos, terminou em último lugar na classificação — mas ninguém lhe roubaria o título de participante mais jovem naqueles que seriam os primeiros Jogos de Inverno de sempre.
Do ski ao hóquei no gelo, do curling à patinagem, 250 atletas de 16 países reuniram-se há um século em França, entre 25 de janeiro e 5 de fevereiro para fazer história. Clas Thunberg, patinador de velocidade finlandês, impressionou em Chamonix com três medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. O norueguês Thorleif Haug foi a estrela da competição de ski nórdico, vencendo três eventos. Lançando uma tendência que se estenderia até aos nossos dias, o Canadá dominou a competição de hóquei no gelo, somando triunfos folgados sobre triunfos folgados até derrotar os Estados Unidos na partida decisiva por 6-1. Quanto às senhoras, apenas 11 estiveram envolvidas, na disciplina de patinagem artística, a única modalidade aberta às atletas femininas até à introdução do ski combinado nos Jogos Olímpicos de inverno de 1936, em Garmisch-Partenkirchen, na Alemanha.
10 mil espectadores pagaram para assistir à competição, que começou a ser gizada ainda em 1921, por ocasião da sétimo sessão do congresso do Comité Olímpico. A ideia de um evento de inverno com esta natureza não agradou aos países escandinavos, que participavam já desde 1901 no chamados Jogos Nórdicos, e temiam assim que um novo evento comprometesse a atenção dada à sua prova. No entanto, o CO concordou com a criação de uma semana internacional de desportos de inverno, no âmbito da celebração dos Jogos da VIII Olimpíada, em Paris, em 1924. No rescaldo dos 12 dias de competição, que contaram também com a organização do comité francês, o então presidente do COI, Pierre de Coubertin, fez um balanço otimista, saudando os jogos dado o “sucesso recente sem precedentes”, um sinal de “esperança” para o futuro.
Quanto à imagem gráfica para a posteridade, uma águia sobrevoa uma pista de bobsleigh, contra uma paisagem alpina de inverno. Nas suas garras, segura um ramo e a coroa da vitória, amarrados com uma fita com as cores da bandeira francesa. Eis o icónico poster/cartaz oficial com assinatura de Auguste Matisse que aludia às competições. Cerca de 5 mil cópias foram produzidas e na parte superior da imagem surge o nome da empresa ferroviária Paris Lyon Méditerranée (PLM), que participou do financiamento das construções olímpicas através de um subsídio de 20.000 francos. Outras referências se juntariam ao material de promoção da época.
Corria o final do século XIX quando o ski foi introduzido em Chamonix por Michel Payot (1840 — 1922), ferreiro de profissão que se tornaria guia de montanha. Já em 1906-1907, o Club Alpine Français organizou uma competição local de desportos de inverno que marcaria a primeira grande temporada de inverno. Mas a história do Monte Branco, e em particular do seu fervilhar turístico, começa bem antes.
O vale de “Chamouny” foi descoberto ainda em 1741 por dois exploradores ingleses, Windham e Pococke, cuja expedição na zona foi recebida por uma população rural de agricultores de montanha. A dupla palmilhou o vale, o Mer de Glace, e relatou as suas façanhas em revistas literárias da época, que em muito contribuíram para o fascínio e popularidade em torno deste destino francês, que até então atraía apenas forasteiros durante o período estival.
Dados oficiais locais rezam que os 1.500 visitantes de verão em 1783 rapidamente cresceram em número nas décadas seguintes. Em 1855 eram 5 mil, em 1865 12 mil e em 1891 este número duplicou mesmo para 24 mil. Ao virar do século, a chegada do comboio a Chamonix consolidou de vez a sua fama — foram registados 51 mil visitantes em 1901, e dez anos mais tarde a subida foi estrondosa: 332 mil pessoas passaram pela região montanhosa.
A semana de jogos de inverno em 1924 viria animar ainda mais o vale gelado, que ano após ano foi vendo crescer também a sua oferta hoteleira. Madame Coutterand abriu a primeira casa de hóspedes em 1770, o Hotel d’Angleterre. Em 1783, celebridades como Saussure, Goethe e Bourrit visitaram o vale e tornaram o seu perfil ainda mais cobiçado. A primeira subida ao Mont Blanc registou-se em 1786, por dois locais, Paccard e Balmat, que acrescentaram nova nota de interesse à zona.
A procura progressiva incentivou a sofisticação e conforto no acolhimento. O primeiro hotel de luxo foi construído em 1816 (The Hotel de l’Union), ao qual se seguiriam La Couronne, Le Royal, e muitos outros.
Em 1821, foi criada a previdente “La Compagnie des Guides”, na sequência de um acidente. Até ao final do século XIX, aliás, os guias de montanha eram a principal figura na economia de Chamonix. Cerca de cem anos depois, em 1922, o Turismo do Vale listava um total de 78 hotéis e pousadas, incluindo três hotéis-palácio, totalizando mais de 4.000 camas. Um conjunto de estabelecimentos maioritariamente geridos por famílias da zona, como os Cachat, Claret-Tournier, Carrier, Tairraz, Folliguet, ou Chamel.
Atualmente, o vale de Chamonix conta com aproximadamente 6.600 camas de hotel, para um total de 21.000 camas (que vão dos clubes de férias aos parques de campismo).
A pioneira versão dos Olímpicos de inverno foi originalmente orquestrada como Semana Internacional dos Desportos de Inverno, um evento apoiado pelo Comité Olímpico Internacional mas não classificado de forma oficial. Face ao sucesso da organização original, o selo de validação definitiva por parte do COI haveria de chegar um ano mais tarde. E o resto da expansão turística da região é história.
Entre unidades de cinco estrelas, chalets luxuosos, transfers vip, spas sumptuosos, mesas com estrela Michelin, e até mapas para encontrar nas pistas a sua celebridade preferida, o destino que em 2015 celebrou 150 anos da Era Dourada do Montanhismo, tornou-se década após década meca do glamour na neve — mas pode ter os seus dias contados. A subida das temperaturas, as ameaças trazidas pelo aquecimento global, pairam sobre os Alpes, e num futuro não muito distante as imagens atuais poderão também elas constar de uma galeria nostálgica.