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Uma história das marcas de vestuário (parte 3) – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 20, 2024


[Este é o terceiro de uma série de seis artigos sobre a origem dos nomes e a história de marcas de vestuário – os anteriores podem ser lidos aqui:]

A Hugo Boss cumpre este ano um século de história, mas nem tudo nesse passado é motivo de orgulho ou sequer recomendável. O fundador da empresa, Hugo Ferdinand Boss (1885-1948), entrou no ramo do têxtil e do vestuário por baixo, primeiro como operário numa fiação, depois, por morte dos pais, ficando à frente da loja de lingerie que estes tinham em Metzingen, na Alemanha. Em 1924, Hugo Boss abriu a sua primeira fábrica de vestuário, inicialmente vocacionada para roupas de trabalho, mas que a partir de 1928 começou a fornecer uniformes para as diversas organizações do NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei – trocando por miúdos, o Partido Nazi).

Hugo Ferdinand Boss

Por convicção ou por conveniência, Hugo Boss aderiu ao NSDAP em 1931 e no ano seguinte a sua firma começou a produzir um dos mais célebres uniformes da história: os uniformes negros das SS. Estes não foram, todavia, obra de Hugo Boss ou dos estilistas da firma, tendo sido desenhados por dois elementos das SS, Walter Heck e Karl Diebitsch, este último responsável por boa parte da imagem gráfica das SS (ver SS: O diabo veste de negro).

Karl Diebitsch, envergando o uniforme negro das SS, junto a várias peças de pechisbeque nazi-ariano por si concebidas

A associação ao regime nazi revelou-se proveitosa para a Hugo Boss, pois entre 1932 e 1941 o seu volume de negócios foi multiplicado por 86, mas quando a guerra terminou tornou-se num problema, agravado pelo facto de a empresa ter recorrido a trabalho escravo. No processo de desnazificação, foi apurado que Hugo Boss tinha sido “apoiante e beneficiário do nacional-socialismo”, de que resultou uma pesada multa e a interdição do exercício de actividade empresarial e a perda de direitos cívicos, mas o recurso interposto por Boss acabou por minorar algumas sanções. Devido ao impedimento de Hugo Boss (que faleceria em 1948), a direcção da firma foi assumida pelo seu genro, Eugen Holy, que a reorientou para a sua vocação inicial, a roupa de trabalho. Em 1950, a marca entrou no ramo dos fatos, mas só na década de 1970 começou a afirmar-se no segmento de luxo, nomeadamente após a contratação do estilista Werner Baldessarini. Seguir-se-ia a diversificação por produtos como perfumes, óculos de sol e equipamento para golfe.

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A propriedade da firma tem passado por várias mãos, mas a sede nunca deixou Metzingen. Após um período de estagnação entre 2014 e 2019 e uma quebra em 2020 (decorrente da pandemia de covid-19), as receitas da Hugo Boss têm dado sinais de grande pujança, atingindo valores recorde de 3651 milhões de euros em 2022 e 4197 milhões de euros em 2023.

Cintos era algo com que Gabriello Gucci estava certamente familiarizado no seu trabalho como humilde artesão de couros, em Florença, mas dificilmente adivinharia que o seu apelido ficaria associado ao Stuart Hughes Belt, um cinto com fivela em platina e diamantes cujo preço de retalho é superior a 250.000 dólares e é o artigo mais caro que a casa Gucci comercializou até à data.

O filho de Gabriello, Guccio Gucci (1881-1953) não quis para si a vida remediada do pai e aos 18 anos era paquete no Hotel Savoy, em Londres, onde conviveu de perto com as classes possidentes, experiência que seria reforçada pelos quatro anos passados ao serviço da luxuosa operadora ferroviária Compagnie des Wagons-Lits (isto aconteceu num tempo em que, por incrível que possa parecer na era do jacto privado, os milionários viajavam de comboio) e por algum tempo passado na Valigeria Franzi, um fabricante italiano de bagagem e artigos de couro que tinha por clientes a realeza e aristocracia europeias.

Guccio Gucci, c.1940

Após estes anos de “prospecção de mercado”, Gucci regressou a Florença e em 1921 abriu uma pequena loja especializada em artigos em couro (sapatos, malas, artigos de equitação). Em 1933, o filho Aldo juntou-se à empresa e desenhou o logótipo com o duplo G que alude ao nome do fundador. O negócio correu bem, mas as sanções impostas à Itália fascista por ter invadido e anexado a Etiópia, a disrupção do comércio internacional da II Guerra Mundial e as privações do pós-guerra tornaram o couro num material raro, o que obrigou a Gucci a recorrer a materiais menos usuais e menos “nobres” – e foi assim que surgiram artigos que depois se tornaram lendários, como a “mala de bambu” de 1948.

A “mala de bambu” da Gucci

A Gucci foi acumulando prestígio, mas Guccio Gucci pretendia continuar a operar à escala familiar e só abriu lojas em Roma e Milão por pressão de Aldo. Mal o patriarca faleceu, em 1953, a marca, sob a liderança de Aldo, abriu loja na Quinta Avenida, em Nova Iorque, no que seria o primeiro passo de um crescimento explosivo. A fortuna gerada pelo nome Gucci (que entretanto se expandiu para o vestuário, calçado e perfumes) acabou por semear a discórdia na família. Primeiro houve tentativas de secessão pela parte dos filhos de Aldo – Giorgio e Paolo –, que criaram, respectivamente, a Gucci Boutique e a Gucci Plus, mas os danos foram controlados e os ramos rebeldes foram reabsorvidos. Mais séria foi a zanga de 1983, quando, após a morte do irmão de Aldo, Rodolfo, o filho deste, Maurizio, se lançou numa disputa legal com o tio pelo controlo da empresa, que acabou por ganhar. Aldo não só ficou reduzido a 17% de participação como foi condenado a um ano de prisão por evasão fiscal.

Em 1988, Maurizio vendeu 48% da Gucci a um fundo de investimento do Barhein e, após anos de gestão perdulária, acabou por vender o resto da participação ao grupo Investcorp, em 1993. Dois anos depois, foi morto a tiro no átrio do escritório da Gucci em Milão, por um homem que se descobriu ter sido pago pela sua ex-esposa, Patrizia, que talvez não tivesse digerido bem o facto de o marido a ter trocado por uma mulher muito mais nova.

Na viragem dos séculos XX/XXI, já sem Guccis a bordo, a empresa foi alvo de uma renhida disputa entre dois grupos, a LVMH (Louis Vuitton-Moët-Hennessy) e a PPR (Pinault-Printemps-Redoute). A batalha acabou por ser ganha pela PPR, que, desde 2004, detém 99.4% da Gucci e, entretanto, passou a designar-se Kering (ver capítulos “Louis Vuitton” e “Balenciaga” em Paris, capital da moda: Uma história das marcas de vestuário, pt. 2).

A história da Versace partilha com a da Gucci um assassinato a tiro de contornos nebulosos, mas as relações familiares entre os Versace são menos conflituosas do que entre os Gucci (embora estejam longe de serem saudáveis).

A Versace surgiu em 1978, depois de o seu fundador, Gianni Versace (1946-1997) ter trabalhado, desde 1972, como estilista para várias marcas. O logótipo actual da Versace, com a cabeça de Medusa, surgiu apenas em 1993 e, segundo o fundador, remete para um mosaico numas ruínas romanas onde costumava brincar em criança; Gianni Versace explicava ter escolhido Medusa porque esta tinha um irresistível poder de sedução, ao qual era impossível escapar, e ele almejava que as suas roupas produzissem um efeito análogo sobre os clientes. Versace terá feito uma interpretação enviesada da mitologia, pois, o invulgar poder de Medusa não era a sedução mas transformar em pedra quem quer que a fitasse os olhos. Mesmo que assim não fosse, não seria fácil a potenciais amantes ignorar o facto de a cabeleira de Medusa ser formada por serpentes venenosas.

O logótipo da Versace coma cabeça de Medusa

Nos anos 90, a Versace ganhou extraordinário sucesso, depois de ter angariado clientes como Elton John, a princesa Diana, Michael Jackson e Carolina do Mónaco e ter descoberto e contratado modelos como Naomi Campbell e Linda Evangelista. Esta marcha triunfal foi ensombrada em 1997 quando Gianni Versace foi morto a tiro à frente da sua mansão em Miami Beach, por Andrew Cunanan. Como este se suicidou quando era perseguido pela polícia, não foi possível apurar a motivação do crime; Cunanan gabava-se de ser amigo íntimo de Versace, mas não foi possível apurar qual a natureza da relação entre os dois homens (a ter existido alguma, o que a família Versace sempre negou).

Após a morte de Gianni, a irmã Donatella assumiu a direcção artística da Versace, o irmão Santo assumiu o cargo de CEO e sobrinha Allegra herdou 50% da empresa.

Em 2018, a Versace foi comprada pela Michael Kors Holdings (MKH), o grupo empresarial do designer de moda homónimo. A marca Michael Kors, fundada em 1981, tinha sido forçada a suspender a actividade em 1990, mas o seu regresso em 1997 foi coroado de sucesso, em parte graças aos fortes investimentos nela realizados pelos empresário Silas Chou, de Hong Kong, e Lawrence Stroll, um judeu canadiano cujo nome real é Lawrence Sheldon Strulović e cujo pai, Leo, lançara as marcas Pierre Cardin e Ralph Lauren no Canadá. A Sportswear Holding, que controla o segmento de vestuário do império empresarial de Stroll, alienou a participação na MKH em 2014 (hoje, Stroll é conhecido sobretudo como CEO da marca de automóveis de luxo Aston Martin), e Silas Chou fez o mesmo em 2018, mas a MKH continuou pujante – entretanto, em 2017, adquirira a marca de sapatos de luxo Jimmy Choo (ver capítulo “Outras marcas de luxo” em Stilettos, mules e Yeezys). Após a aquisição da Versace, a Michael Kors Holdings foi rebaptizada como Capri Holdings – o grupo detém mais de 1270 lojas em todo o mundo (em 2012, a Michael Kors detinha apenas 240) e em 2023 registou receitas de 5600 milhões de dólares.

Loja Versace na Kurfürstendamm, uma avenida que está para Berlim como os Champs-Élysées estão para Paris

É uma das raras marcas de moda de luxo que não tem o nome do fundador: Bottega Veneta significa “Loja Veneziana”. Foi fundada em 1966 em Vicenza, a 60 Km de Veneza, por Michele Taddei e Renzo Zengiaro, e começou pelos artigos de couro, antes expandir a actividade ao vestuário, ao calçado e acessórios de moda. No final do século XX entrou em dificuldades financeiras e em 2001 foi comprada pela Gucci – hoje faz parte do grupo Kering.

Loja Bottega Veneta em Paris

Quer a palavra italiana “bottega”, quer a francesa “boutique”, que, a partir da década de 1960, entrou em quase todas as línguas para designar uma loja de pequenas dimensões vocacionada para venda de artigos de luxo na área da moda, provêm do grego “apotheke” (armazém). A raiz grega “apotheke” acabou também por, em várias línguas europeias, tornar-se num sinónimo de farmácia: “botica” (em português e espanhol), “apotheke” (em alemão). Em espanhol, a mesma raiz deu origem a “bodega”, que , além de designar um armazém (e o porão de um navio), passou a referir uma adega ou uma taberna; surgiu também uma variante, “bodegón”, que costuma ser aplicado a uma tasca, ou seja, um estabelecimento (pouco requintado) que vende vários tipos de produtos alimentares. O uso de “bodegón” passou, depois, a designar também uma natureza-morta, isto é, um quadro em que figuram diversos tipos de alimentos e também utensílios ligados à sua preparação e consumo. Enquanto o “bodegón” espanhol ascendeu a um significado mais requintado, em português “bodega”, que também começou por ser sinónimo de taberna ou tasca, passou a ter um significado pejorativo, que hoje se tornou dominante: algo imprestável, de péssima qualidade, malfeito ou que funciona mal. Seria pois pouco avisado, entre nós, que uma marca de moda de luxo escolhesse chamar-se “bodega”.

Se o mercado do vestuário desportivo é largamente dominado por marcas desportivas “de massas”, como a Nike e a Adidas, há duas marcas de luxo que forjaram vínculos com modalidades desportivas específicas, ainda que ambas possuam amplo catálogo de vestuário, calçado, acessórios, perfumes e relógios, boa parte dele sem qualquer vínculo ao desporto: a Lacoste com o ténis (ver capítulo respectivo em Paris, capital da moda: Uma história das marcas de vestuário, pt. 2) e a Ralph Lauren com o pólo. Mas enquanto a Lacoste começou por produzir artigos para o ténis e só depois diversificou a actividade, a associação da Ralph Lauren ao pólo – que está patente no seu logótipo – foi uma criação artificial, destinada a aproveitar-se da aura elitista que rodeia aquele desporto. Em 1933 quando Lacoste, lançou a sua marca, o ténis ainda era um desporto de elite, mas não tardou a democratizar-se – democratizou-se tanto que, nos últimos anos muitos praticantes desertaram para o paddel e para o pickleball, para não serem confundidos com a populaça. Já o pólo continua reservado às classes possidentes – quanto mais não fosse por requerer a posse de um cavalo – e tem tido praticantes de relevo entre a realeza europeia, de Alfonso XIII de Espanha a vários membros da casa de Windsor (incluindo Carlos III e os príncipes William e Harry, para nomear só os mais recentes).

Alfonso XIII de Espanha, num desafio de pólo na Real Club de la Puerta de Hierro, 1912

Embora o pólo seja presentemente associado à aristocracia europeia, teve origem nas tribos nómadas do Irão e Ásia Central e os seus vestígios mais antigos remontam ao século VI a.C. O nome que lhe era dado na Pérsia era chogān, mas ganhou outros nomes (e outras regras) à medida que se difundiu para outras regiões. O moderno pólo resulta da assimilação pelos britânicos da variante praticada na região de Manipur, na Índia, onde o desporto era conhecido por pulu, a partir de termo idêntico na língua balti, falada no Baltistão (ou Pequeno Tibete), região montanhosa no norte do Paquistão, e que significa “bola”. Os desportos antecessores do pólo continuam a ser praticados nalgumas regiões da Ásia Central, mas os seus jogadores não envergam pólos, muito menos pólos Ralph Lauren.

Jogo de pólo, miniatura persa, 1546

A origem do fundador da Ralph Lauren não poderia estar mais distante do mundo elitista dos praticantes de pólo do mundo ocidental: nasceu, em 1939, no Bronx, em Nova Iorque, de pais judeus emigrados da Bielo-Rússia (o pai era pintor de construção civil, a mãe, dona-de-casa) e o apelido familiar, Lifshitz, traía a sua humilde origem e prestava-se a trocadilhos de mau gosto, pelo que quando Ralph iniciou carreira como estilista de moda adoptou o mais aristocrático apelido Lauren.

A Ralph Lauren surgiu em 1967 e começou por comercializar apenas gravatas; os famosos pólos surgiram no ano seguinte e o logótipo com o jogador de pólo em 1971. A popularidade dos pólos da marca levou a que a divisão de vestuário ganhasse o nome Polo Ralph Lauren. A Ralph Lauren Corporation teve receitas de 6160 milhões de dólares em 2020 e de 6600 milhões de dólares em 2023 e o seu proprietário possui uma colecção de automóveis de luxo com uma centena de exemplares e uma fortuna pessoal (net worth) estimada em 6900 milhões de dólares (dados de 2022).

Ralph Lifshitz, 1978

Em 2015, o mundo requintado da Ralph Lauren entrou em colisão com uma tribo índia de Vancouver Island, no Canadá, que protestou por a marca ter lançado uma linha de espessas camisolas de lã comercializada como “Cowichan”, que emulava os padrões das camisolas produzidas pela tribo Cowichan (ou Quw’utsun, na sua própria língua). É certo que as camisolas confeccionadas pelos índios estão longe de ser uma tradição ancestral, antes uma hibridação, surgida na viragem dos séculos XIX/XX, de técnicas e estéticas europeias e Cowichan, mas a sua venda é uma importante fonte de receita para as comunidades índias, pelo que é compreensível o zelo destas em combater as imitações. A Ralph Lauren não foi a primeira marca a “pilhar” os “Cowichan sweaters” – as primeiras imitações datam da década de 1940 – mas, recenado processos judiciais e má imagem nos mass media e nas redes sociais, a marca respondeu retirando as camisolas Cowichan do seu catálogo. Este episódio evocará em muitos portugueses outro de contornos afins que, em 2021, opôs os artesãos da Póvoa de Varzim (e a respectiva autarquia) à estilista americana Tony Burch, em torno da apropriação da camisola poveira (ver Póvoa de Varzim aceita acordo com estilista americana que copiou camisola tradicional). Hoje em dia é corrente que a acusação de “apropriação cultural” seja empregue pelos círculos “woke” em situações tão genéricas e difusas como o uso de “dreadlocks” ou lenços na cabeça por brancos (ver Há turbas de linchamento à solta na Internet), mas no caso dos “Cowichan sweaters” e da camisola poveira há uma exploração comercial e descontextualizada do património cultural de uma comunidade minoritária por fabricantes de produtos industriais de luxo.

O “Cowichan sweater” “reinterpretado” pela Ralph Lauren

É possível que a Guess nunca tivesse surgido se não fosse um desentendimento entre os irmãos Marciano e o fisco francês. Os Marciano – Georges, Maurice, Armand e Paul – nasceram em Debdou, Marrocos, numa família judia, e estabeleceram-se em Marselha, onde começaram por fabricar gravatas sob a marca MGA (de Maurice, Georges e Armand); acabaram por possuir uma rede de 30 lojas de vestuário na Riviera Francesa, mas em 1981, confrontados com a obrigação de pagar 7.5 milhões de euros ao fisco, decidiram mudar de ares.

Embora não falasse inglês, Georges instalou-se em Los Angeles com o propósito de lançar-se no fabrico e comercialização de jeans. O nome para a nova empresa surgiu quando Georges passou por um anúncio à McDonald’s na berma da estrada com os dizeres “Guess where’s the best hamburger?” – Georges não sabia o que queria dizer “guess”, mas a palavra soou-lhe bem.

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Os irmãos Armand, Paul e Maurice Marciano na festa dos 20 anos da Guess, em 2001 – falta Georges, que vendeu a sua participação na empresa em 1993

Não tardou que Georges chamasse a Los Angeles Maurice, Armand e Paul para o auxiliar no rentável negócio de vender rústicas calças de trabalho como se fossem artigos de luxo, propósito que foi alcançado com a ajuda de campanhas publicitárias recorrendo a top models como Claudia Schiffer e Eva Herzigova. A Guess foi determinante na implantação da voga dos designer jeans, com as restantes marcas de luxo a competir em extravagância: em 1998, a Gucci fez furor quando colocou os Genius Jeans à venda por 3.134 dólares, mas este preço seria pulverizado pelos Escada Couture Swarovski Crystal Jeans (100.000 dólares) e pelos Dussault Apparel Thrashed Denims (250.000 dólares).

A Guess diversificou a actividade pelo calçado, acessórios e perfumes, criou sub-marcas diferenciadas para diferentes estratos etários, possui mais de 1200 lojas e tem registado uma subida consistente nas receitas (com excepção de uma quebra em 2021), com o ano de 2023 a alcançar o valor recorde de 2700 milhões de dólares.

O reverso desta história de luxo e sucesso está nos processos que foram movidos contra a Guess por sindicatos americanos, por a empresa pagar os trabalhadores das suas fábricas abaixo do salário mínimo, e numa multa de 39 milhões de euros aplicada em 2018 pela Comissão Europeia, por interferência na livre circulação de mercadorias na UE, com o fito de manter preços artificialmente altos nalguns países.

Loja Guess em Hong Kong

Foi em 1978 que Mel e Patricia Ziegler abriram, em Mill Valley, Califórnia, a primeira loja da Banana Republic Travel & Safari Clothing Company, que estava, como o nome sugere, focada em roupa adequada a viagens a lugares “exóticos”. É difícil perceber se a escolha do nome foi resultado de ignorância, ingenuidade ou estultícia, uma vez que o termo “banana republic”, cunhado em 1904 pelo escritor O. Henry (pseudónimo de William Sidney Porter), se referia aos pequenos países latino-americanos em que o Estado não detinha autoridade real e esta estava, de facto, nas mãos das companhias americanas de comércio de bananas – como era o caso das Honduras, país que O. Henry visitara pouco antes (ver capítulo “Honduras, 1912” em A história dos EUA enquanto polícia do mundo e capítulo “Banana” em Açúcar, bananas e sílfio: Como os prazeres da mesa moldaram a história pt. 3). O termo ganhou depois o significado mais genérico de país cuja economia depende de um único recurso e cujo Estado está subjugado às empresas estrangeiras que exploram esse recurso.

“República das Bananas” evoca salários miseráveis, condições de trabalho desumanas, repressão brutal de grevistas, corrupção, golpes de Estado e ingerência política por países estrangeiros, pelo que não é um nome que inspire simpatia em quem provenha de um dos países latino-americanos que passaram décadas subordinados ao capitalismo extractivista norte-americano e também não é nada de que os cidadãos dos EUA devam orgulhar-se. Todavia, quando a GAP adquiriu a Banana Republic Travel & Safari Clothing Company em 1983, descartando o elemento “aventura” e reorientando-a para o segmento de luxo, limitou-se a encurtar o nome para Banana Republic. Em 2017, a marca detinha 700 lojas em todo o mundo.

Loja da Banana Republic em Markville, Canadá

Nota: Muitas marcas relevantes do ponto de vista comercial e da história da moda não foram incluídas nesta lista, por as suas histórias serem baças e anódinas: é o caso da Armani (fundada em Milão em 1975, por Giorgio Armani), da Calvin Klein (fundada em Nova Iorque em 1968, pelo estilista homónimo), da Dolce & Gabbana (fundada em 1985 em Milão, pelos estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana), da Ermenegildo Zegna (fundada em Trivero, no Piemonte, em 1910, pelo empresário homónimo), da Gianfranco Ferré (fundada em Milão em 1978, pelo estilista homónimo), da Moschino (fundada em Milão em 1983, pelo estilista Franco Moschino), da Prada (fundada em Milão em 1913, pelos irmãos Mario e Martino Prada) ou da Tommy Hilfiger (fundada em Nova Iorque em 1985, pelo estilista homónimo).

Próximo artigo: Os reis da ganga



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