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“Não se pode viver numa sociedade capitalista democrática e, ao mesmo tempo, não querer imigrantes” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 28, 2024


Sabia que apenas 3% da população mundial é migrante — isto é, está há mais de seis meses a viver fora do seu país de origem? Ou que a maior parte dos migrantes não são nem refugiados nem pessoas a fugir da miséria? E que a maior parte das políticas migratórias de linha dura tendem a agravar a mesma situação que tentam combater? Hein de Haas sabe — afinal de contas, escreveu um guia sobre isso.

Professor de Sociologia na Universidade de Amesterdão e professor de Migração e Desenvolvimento na Universidade de Maastricht, o neerlandês é uma das figuras de proa a nível mundial nos estudos migratórios. A súmula do seu trabalho pode ser encontrada em Como Funciona Realmente a Migração: Um guia factual sobre a questão que mais divide a política, livro recentemente disponibilizado em Portugal através da Temas e Debates. Apesar da quantidade torrencial de informação e da análise exaustiva dos problemas, esta obra é de fácil leitura. Aliás, o seu propósito é precisamente esse. Organizado em 22 capítulos, cada um representa um mito que de Haas pretende desmentir — desde “as fronteiras estão incontroláveis” até “a opinião pública virou-se contra a imigração”.

O seu propósito, contudo, não é o de apresentar respostas mágicas àquele que é um dos temas quentes a definir a política interna e externa de países um pouco por todo o globo. Até porque “se abordarmos as coisas complexas com soluções simplistas, elas vão falhar”, avisa ao Observador antes de subir ao palco da conferência “Hein de Haas ao vivo: Migrações não é assim tão simples”, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. O que o professor pretende, acima de tudo, é estabelecer um ponto de base realista e sintético para que se possa pensar o tema da migração e definir políticas públicas em conformidade  sem seguir “uma política de avestruz” e tentar ignorar o problema. “Se dissermos que a migração é inevitável, não é uma declaração a favor, é um facto, um reconhecimento da realidade”, afirma.

Tentando não fazer política com o seu livro, como afirma durante a conversa, a posição de Hein de Haas é de que “devemos deixar de tratar a migração como um problema a resolver ou como uma solução para os problemas”. No entanto, não deixa de apontar o dedo à “hipocrisia” de uma classe política que condena os mesmos trabalhadores imigrantes de que depende para manter a economia a funcionar. “Só seria credível para os políticos se, ao mesmo tempo que construíssem uma vedação, criminalizassem os empregadores que empregam imigrantes ilegais”, aponta.

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A capa de “Como Funciona Realmente a Migração”, de Hein de Haas, na edição portuguesa da Temas e Debates

Um dos principais problemas que aponta quanto à forma como a migração é tratada é o facto de nos concentrarmos no que deveria ser, em vez de nos concentrarmos no que de facto é. Em que sentido?
A questão da migração é muito ideológica e o problema não é o facto em si, mas sim o enquadramento em termos pró e contra. Essa é uma forma muito pouco útil de discutir a migração, porque também não se pergunta a um economista se é contra ou a favor da economia. A migração existe e sempre existiu. Por isso, o que quer que se queira fazer com a migração, primeiro é preciso compreendê-la. Não há nada de errado em ter preferências, mas isso leva a políticas que não funcionam porque não se baseiam em qualquer conhecimento sobre o seu funcionamento. E é também essa a razão do título do meu livro: primeiro temos de compreender como funciona a migração antes de podermos pensar em políticas. E é complexo! Se abordarmos as coisas complexas com soluções simplistas, elas vão falhar.

Logo no início do livro menciona que a migração é tão antiga quanto a humanidade. É algo que não faz sentido enquadrar numa lógica contra ou a favor?
Isso não significa que não se possa mudar nada ou que não se possa tentar gerir melhor a situação. Mas se uma política se baseia em desejar que [a migração] desapareça, essa é uma forma de magia, não funciona. Se pensamos realmente que podemos parar a migração, isso é ingénuo, porque sempre existiu, as pessoas sempre se deslocaram por todo o tipo de razões. Primeiro temos de perceber porque é que as pessoas se deslocam, porque é que a migração é como é, antes de podermos começar a pensar no que uma política pode fazer. E é também como uma imunização contra a ideia de que a migração é como uma torneira que se abre e fecha, não é assim que funciona. É mais ou menos um processo natural. No momento em que se tenta realmente pará-lo, só é possível fazê-lo quando nos tornamos como a Coreia do Norte — um Estado totalitário. E já vimos o que acontece quando se tenta realmente travar a migração ou a mobilidade com o período da Covid-19 — significa práticas totalitárias e é por isso que a Covid-19 criou tantas reações no Ocidente, as pessoas aperceberam-se subitamente do poder que o Estado tem e nós não queremos que ele controle a mobilidade! Mas, na realidade, mesmo que digamos que queremos acabar com toda a migração, se isso acontecesse de facto, seriam necessárias intervenções tão drásticas que basicamente destruiriam a nossa democracia. Por isso, não se pode viver numa sociedade capitalista democrática e rica e, ao mesmo tempo, não querer imigrantes. É impossível.

O maior mito que pretende desmentir no seu livro é que a migração está a ficar fora de controlo. Se não está, porque é que a perceção atual — principalmente no mundo ocidental — é de que está?
A nível global, a migração não é, de todo, excecionalmente elevada. Foi provavelmente mais elevada há um século, quando muitos europeus foram para a América. Apenas 3% da população mundial é migrante e essa percentagem quase não se alterou [nas últimas décadas]. A percentagem de refugiados é ainda mais pequena e também não se alterou. Há altos e baixos e não uma grande vaga de pessoas a chegar. Mas, de uma perspetiva europeia, é lógico [pensar-se assim], porque as coisas mudaram. A Europa foi o último continente de colonizadores — Portugal é um grande exemplo e o meu país, os Países Baixos, é também. Foram impérios coloniais marítimos. Por isso, sempre fomos habituados a ir para o estrangeiro e a instalar-nos noutros locais sem pedir autorização. Por isso digo que o colonialismo europeu é a maior migração ilegal da história da humanidade, porque nunca pedimos autorização! Bem, é claro que isso mudou nos últimos 50 anos, com a descolonização em primeiro lugar, o que significou que algumas das pessoas das colónias foram para Portugal, para os Países Baixos, para França, para a Grã-Bretanha, etc… E depois veio o fator económico, que em Portugal é relativamente recente, mas noutros países europeus é mais antigo. Há falta de mão de obra e isso atrai pessoas.

Portanto, a Europa alterou fundamentalmente a sua posição no mapa global das migrações, passando de continente de saída a continente de acolhimento de imigrantes. E isso é uma verdadeira mudança! Por isso, é compreensível que as pessoas vejam-no assim. A primeira vez que vim a Lisboa foi em 1997 e é possível ver isso nas ruas. Há muitos mais estrangeiros, o que é uma mudança real, mas isso não quer dizer que Portugal esteja a ser invadido! O problema são os políticos que põem lenha na fogueira. E a comunicação social — não toda, mas a de massas — tem tendência para o sensacionalismo. Por isso, o que vemos na televisão são os barcos e na América as caravanas. E isso cria a imagem de que “isto é realmente o que está a acontecer”. Para dar um exemplo sobre a migração africana para a Europa: nove em cada dez africanos que se deslocam para a Europa, deslocam-se legalmente. Não é essa a impressão que se tem quando se vê televisão! Vemos pessoas a afogarem-se no Mediterrâneo. Está, de facto, a acontecer e é um problema, mas não é representativo.



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