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O erro de Estaline que moldou o desfecho da guerra e o futuro da Europa – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 28, 2024


Foi originalmente publicado em 2007, mas surge agora numa edição portuguesa, com carimbo da D. Quixote. Trata-se de “Decisões Fatais”, livro de Ian Kershaw (historiador, professor e escritor britânico que estás prestes a cumprir 81 anos, um dos nomes fundamentais da historiografia do século XX) que tem no subtítulo a explicação sumária e necessária para que entendamos ao que vem: “Dez decisões que mudaram o mundo 1940-1941”.

Estamos em plena II Guerra Mundial. Na Europa, a Alemanha Nazi e forças associadas ameaçam tomar conta de todo o continente, através da eficácia de uma guerra relâmpago aparentemente imparável (à parte a resistência britânica). No pacífico, o Japão segue uma política bélica que ainda está por revelar todas as intenções e capacidades. Entre estes dois anos, 1940 e 41, definem-se os rumos e as estratégias, as vitórias e as derrotas futuras, tudo com base — crê o autor — em, dez decisões fundamentais.

É uma destas dez decisões que aqui recordamos neste excerto do capítulo VI: Estaline decide confiar em Hitler. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da União Soviética assinam um pacto de não agressão em 1939. Mas quais as razões? E quais as consequências, manifestadas daí a muito pouco tempo? O livro chega às livrarias a 30 de maio.

A capa de “Decisões Fatais: Dez Decisões que Mudaram o Mundo 1940-1941”, de Ian Kershaw, na edição portuguesa da D. Quixote (o livro é publicado a 30 de abril)

A escala da catástrofe não tinha precedente histórico. E ela seguira-se ao que ainda hoje se destaca como um dos mais extraordinários erros de cálculo de todos os tempos. Estaline tirara repetidamente conclusões erradas sobre as intenções alemãs, e fê-lo até à própria véspera da invasão. As tentativas de satisfazer as exigências económicas alemãs persistiram até ao fim. Os alertas vindos de todos os lados foram ignorados. Os que tentavam avançar argumentos em contrário eram tratados com desprezo. Estaline insistia: sabia como Hitler pensava. O ditador alemão atacaria; mas não já. A grande prioridade de Hitler, assegurava ele, era a exploração económica da URSS. A insistência no apaziguamento económico assentava neste desastroso mal-entendido. Com assuntos por resolver a ocidente, a prioridade inicial de Hitler seria a submissão soviética, e não a guerra total. Isto seria benéfico para a problemática economia alemã, e colocaria mais pressão a ocidente. Entretanto, o rearmamento soviético continuaria a um ritmo furioso. Se houvesse negociações de paz, a União Soviética teria de participar, e em posição de força. Mesmo enquanto os sinais de perigo aumentavam, Estaline continuou confiante em que conseguiria adiar o conflito para além da primavera e do verão de 1941; nessa altura, seria tarde demais para uma invasão. E em 1942, a União Soviética estaria pronta para Hitler. Era esta, mais ou menos, a linha de raciocínio de Estaline. A convicção de que tinha razão, e de que todas as advertências em contrário eram desinformação ou leituras desgraçadamente erróneas da situação, tornou-se cada vez mais firme. A combinação de medo, subserviência e admiração que caracterizava a autocracia do ditador soviético traduzia-se em que dificilmente se poderia propor alternativas sérias, e muito menos adotá-las. Mas que alternativas poderiam ter sido essas? Que opções havia para evitar a calamidade?

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Molotov, que foi o braço-direito de Estaline o tempo todo, defendeu insistentemente que todos os erros cometidos eram inevitáveis. Khrushchev, ao contrário, criticou os erros de cálculo e de liderança de Estaline no seu ataque ao ditador falecido, em 1956, atribuindo-os a ações arbitrárias de um só homem que acumulara poder absoluto. Esta forte personalização da responsabilidade era muito conveniente para ilibar aqueles que – sem exclusão do próprio Khrushchev – tinham aplaudido Estaline e apoiado as suas políticas. Também servia para passar uma esponja sobre muitas das chefias militares – cujas insuficiências não podem, porém, ser atribuídas inteiramente a Estaline. Estudos mais recentes vêm confirmando esta asserção. Ainda assim, o veredicto condenatório de Khrushchev continua a merecer grande acolhimento. Raramente se analisa que opções realistas tinha Estaline perante si. E, no entanto, uma autoridade proeminente, que submeteu os factos a um escrutínio meticuloso, concluiu que “o falhanço de Estaline na preparação para a ofensiva alemã reflete em primeira instância as opções políticas pouco apetecíveis que a União Soviética defrontava antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial”, e acrescentando que “mesmo em retrospetiva, é difícil vislumbrar alternativas que poderia Estaline ter explorado com segurança”.

O que parece evidente é que, quaisquer que fossem as opções que Estaline pudesse ter tido, elas reduziram-se acentuadamente com o tempo. As decisões iniciais, e o raciocínio que a elas presidia, tinham-se traduzido necessariamente em que na véspera da invasão alemã o seu espaço de manobra se tivesse reduzido grandemente. Mas alguns anos antes disso, Estaline tivera as mãos relativamente livres. E foi então que cometeu um erro catastrófico que limitou as opções futuras.



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