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TAP pública “é um imposto pago pelo português médio que beneficia as classes de rendimentos mais elevados” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 29, 2024

Voltando atrás, Portugal devia olhar mais, no setor terciário, para a digitalização e para os mercados potenciados pela digitalização para poder crescer internamente, é isso?
Em relação a escolhas setoriais sou um pouco cético. Tenho conhecido muitos dos ministros da Economia e das Finanças, tenho muito boas referências, são normalmente pessoas muito inteligentes, muito bem preparadas, mas não consigo perceber como é que essa pessoa, mesmo com bons conselheiros, tem uma melhor ideia de quais são os melhores setores para investir do que os milhares de investidores que estão no terreno e que têm melhor informação. A função da liderança governamental é a de corrigir distorções do mercado.

E não escolher setores para privilegiar.
Exatamente. A não ser que haja, de facto, distorções que sejam setoriais. Está muito na moda falar da maldição dos recursos naturais. Mas, se há neste momento, um recurso natural que cria alguma distorção para o investimento e a inovação em Portugal é o turismo, porque o turismo é um setor em que é muito fácil, relativamente fácil, investir, tem um retorno relativamente imediato, são investimentos que criam empregos de muito baixa produtividade, nesse sentido, não é esse o setor que vai permitir terminar com o êxodo dos cérebros. Porque nós não conseguimos contratar portugueses para os restaurantes e para os hotéis.

Pelo contrário, temos de os contratar fora.
Na realidade, quando eu crio um restaurante novo, em boa parte o valor que vou conseguir, não é um valor líquido acrescentado à economia, vai ser tirado a outros restaurantes, basicamente. Estou a exagerar um bocadinho. Mas, nesse sentido, se tivesse de pensar em investimentos estratégicos não seria favorecer mais do mesmo no turismo. Ou seria mudar completamente o nível de qualidade do setor, tal como fizemos no calçado nos últimos 20 anos, isto é passar o turismo de 1.0 para 2.0, acrescentar valor, mudar completamente a noção de que não queremos estar a competir com outros países com praia e sol, mas queremos competir a outro nível completamente diferente, de experiências; ou então apostar em não apoiar tanto o investimento nesta área.

O que é certo é que o turismo tem sido um garante do crescimento da economia portuguesa?
De facto representa uma fração muito grande do PIB, mas depende dos indicadores que quer ver. Estamos a falar de exportações, mas do ponto de vista de emprego não é um setor que cria emprego de grande produtividade e, portanto, nesse sentido, não é o setor que vai resolver os nossos problemas.

Voltando, então, à questão sobre se existe um limite para o crescimento do PIB, já percebi que, se olharmos para fora, pode não haver. Mas mesmo a nível mundial não vai haver um limite de crescimento para toda a economia? Não estamos a chegar a um ponto limite? Isto é quase bola de crista…
É um bocadinho de bola de cristal, é um bocadinho difícil de prever especialmente o futuro (risos). Seria necessário precisar a palavra “crescimento”, fala-se muito do PIB, porque o PIB é fácil de medir, mas é evidente que o PIB não é a única medida e não é o único objetivo que nós vamos querer ter. Aliás, Portugal, em termos de PIB per capita, tem crescido muito pouco nos últimos 20 anos. Mas as pessoas continuam a querer vir para Portugal. Podemos ter sido ultrapassados pela Chéquia no PIB, mas apesar de tudo as pessoas não vão para a Chéquia. Isso significa que o PIB é um indicador, mas não é o único indicador. E quando nós falamos de crescimento, talvez a melhor palavra seja desenvolvimento, há muito espaço para maior desenvolvimento económico no futuro, que pode não corresponder necessariamente àquilo que nós vamos medir com o crescimento do PIB. Há muitas formas de conseguir ter uma economia mais cíclica, mais sustentável. Isso, por vezes, poderá ser refletido numa menor taxa de crescimento do PIB. Mas quando eu falo de desenvolvimento, de crescimento e melhoria da economia portuguesa estou a falar de todas as dimensões, não necessariamente apenas aquelas que são refletidas no PIB. E, nesse sentido, eu acho que não há limites, há muito poucos limites. O que nós queremos é ter, como economistas, melhor qualidade de vida. As pessoas falam que não vai haver tantos empregos… Vai [haver], só que vão ser empregos em que as pessoas trabalham menos tempo e, portanto, têm mais tempo livre, e depois, por isso, também gera mais atividade económica relacionada com esse tempo livre. É toda uma evolução que não é fácil de prever.

Um exercício interessante que eu gosto de lembrar é que, em 1900, quase metade da população americana era de agricultores. As pessoas ficam muito chocadas porque, neste momento, a população agrícola dos Estados Unidos é 1,5%. 1900 não foi assim há tanto tempo. Se eu explicasse a um agricultor americano em 1900, o que é que vai acontecer daqui a um século e dissesse que todos esses postos de trabalho vão desaparecer. Perguntavam: ‘Então quem é que vai produzir alimentos?’ Os Estados Unidos [hoje] produzem muito mais produtos agrícolas com 1,5% da população do que produziam com metade em 1900. Não vai haver problema nenhum. Então, e empregos para essa gente? Destruíram-se milhões e milhões de postos de trabalho na agricultura, mas não houve desemprego por esse motivo. Agora, se eu fosse explicar a essa pessoa os empregos que ia haver, seria muito difícil: ‘Vai haver jogadores de basquetebol profissionais’. Primeiro tinha de explicar o que era o basquetebol, que não existia; depois tinha de explicar o que era um jogador de basquetebol profissional, que seria um conceito muito difícil de perceber. Gostamos muito de nos queixar da situação atual, mas não tem comparação alguma do que era há 100 anos ou há 200 anos, não tem comparação absolutamente nenhuma, por mais que nos queixemos dos problemas de hoje em dia.

É muito difícil antecipar o que é que, por exemplo, a inteligência artificial poderá provocar nesse desenvolvimento da economia?
É muito difícil prever caso a caso. Posso estar engano, mas eu acho que é relativamente fácil perceber o que significa em termos agregados, que é um passo mais adiante neste processo que se tem dado desde o século XVII, aproximadamente desde a revolução industrial, que é a condição humana material ter grandes melhorias, no sentido de não ter de gastar tanto tempo e tanto esforço para garantir as condições materiais mínimas.

Portanto é dos que acredita que a inteligência artificial vai trazer mais benefícios do que mais desigualdade.
Mais benefícios do que custos. Vai trazer problemas de desigualdade. Nós já estamos a ver isso agora. Não estou a dizer que não crie problemas. Deixe-me dar um exemplo, no caso de um médico radiologista, a inteligência artificial vai permitir olhar para muitos raios X de uma forma mais rápida, continua a ser importante a intervenção humana, porque há aspetos em que é preciso ter uma certa garantia, mas significa que a produtividade do médico radiologista vai aumentar muitíssimo com a inteligência artificial e isso significa que a qualidade dos serviços oferecidos vai ser melhor, mas também significa que a quantidade de serviços oferecidos por um médico radiologista vai ser superior e significa que o médico radiologista vai ganhar mais, na minha opinião, porque vai ter esse grande suporte da inteligência artificial, mas também significa que nós vamos precisar de menos médicos radiologistas para uma certa população. Isso vai ser um padrão típico.

A inteligência artificial vai melhorar a qualidade e a quantidade do trabalho de certas profissões, mas vai também diminuir o número de pessoas necessárias para essa tarefa. Vai destruir postos de trabalho. Não só postos de trabalho que vão ser substituídos por robôs, mas também advogados, médicos, professores, muitos vão ser substituídos. Portanto, tal como os agricultores americanos do século XIX foram desaparecendo ao longo do século XX, vai haver muitos empregos, incluindo empregos qualificados, que vão desaparecer nas próximas décadas. Isso não significa que se vai criar um exército de desempregados, porque, tal como a história, nos mostra aparecerão novos. Quais é que são esses serviços? Isso aí é que é muito difícil de prever. Tal como eu dizia em 1900 seria muito difícil prever que haveria uma pessoa cuja função é escrever jogos de computador.

Estamos com uma grande discussão em Portugal em torno dos impostos. Deve-se avançar na descida do IRC em Portugal?
Não sei. Em relação à reforma fiscal, o que eu faria seria, claramente, reduzir a tributação laboral, tudo que tenha a ver com a tributação laboral.

IRS?
Tudo… As contribuições de segurança social, o que tem a ver com saúde — em Portugal não é muito, mas nos Estados Unidos é imenso –, seguro de desemprego… Todos os encargos laborais, inerentes à atividade laboral. Não é o único problema, mas um dos problemas porque não se criam empregos, nomeadamente para essa gente jovem que está a sair do país, é o custo. Que é um custo direto, tributário, mas também o custo indireto, que tem a ver com a permanência do emprego e a falta de flexibilidade da lei laboral portuguesa e de vários países do sul de Europa. Tudo isso se junta para criar um desincentivo enorme para uma empresa criar postos de trabalho. Eu, pondo-me nos pés de uma empresa, percebo perfeitamente que o incentivo que têm é o mínimo possível, porque o custo é muito grande. É muito melhor fazer outsourcing ou ter uma coisa que é feita por uma máquina ou por um robô ou o que seja. Na minha opinião, essa deveria ser uma prioridade da reforma fiscal, nós temos de inverter isso…

Mas no sentido de liberalização como existe nos países anglo-saxónicos?
Tem dois aspetos. Um de legislação laboral e um fiscal. O que eu faria seria a Segurança Social deixar de ser financiada por contribuições.

Então, seria financiada como?
Com outros impostos. É evidente que o dinheiro tem de vir de algum sítio.

Porque deve haver o Estado Social ou não, deve haver a Segurança Social, ou não?
Claro [que deve]. E, portanto, eu até proporia reformas que fossem neutras nesse sentido. A minha reforma não é tipo libertário, vamos acabar com o Estado. Não é isso, é simplesmente analisar a melhor forma de obter essas receitas.

Essa descida na fiscalidade laboral seria compensada como? Tem falado muito de aumentar a tributação da propriedade. Seria suficiente?
Tenho falado. Bom, eu não fiz as contas, mas estou convencido de que existe alguma margem para esse efeito. Portugal é um país que está na moda, e não é só reformados — para um país da dimensão de Portugal, está desproporcionadamente na boca das pessoas. E, portanto, as pessoas queixam-se, com alguma razão, que estamos a subsidiar demasiado os estrangeiros, mas chegou o momento em que temos algum poder de marca…

E é altura de parar essas subsidiações?
Temos de aproveitar esse facto.

Devemos parar com essas subsidiações a reformados e a investidores de imóveis?
Talvez. Transpondo a estratégia empresarial para a estratégia governamental, deveríamos continuar com incentivos para que as pessoas experimentem Portugal, venham a Portugal, visitem Portugal e se estabeleçam em Portugal, mas depois também ser realistas e saber que essas pessoas que têm dinheiro e têm possibilidade devem pagar por isso.

E daí a taxação da propriedade ser maior?
Eu acho que é um imposto que teria esse efeito distributivo também interessante. Seria uma forma de finalmente conseguir fazer com que as pessoas que foram atraídas ao longo dos últimos décadas para Portugal e para a compra de imóveis também contribuam de alguma forma para o Estado Social português, não sejam simplesmente usuários e beneficiários, mas também contribuintes.

A nível internacional e nomeadamente os Estados Unidos e Canadá são dois países que estão a aumentar a tributação sobre as chamadas grandes fortunas. É um bom caminho e devia ser seguido também? Se bem que aqui as grandes fortunas são uma dimensão um bocadinho diferente.
O problema das grandes fortunas, tal como o da tributação das empresas, é o problema da mobilidade. Isto é, voltamos à questão da Curva de Laffer. Eu só posso tributar quando a elasticidade da oferta da atividade que estou a tributar não for muito elevada. Um estudo interessantíssimo que foi feito foi aumentar a taxa sobre a riqueza num cantão da Suíça. Guess what. As pessoas foram para outro cantão. Em relação às empresas, aliás, a outra forma como tentaria financiar a redução da tributação laboral era fazer uma reforma mais ou menos neutra na empresa, reduzir os seus encargos financeiros com o trabalho, e compensar isso com o aumento do imposto sobre o seu rendimento. O problema sobre IRC das empresas é a mobilidade. Se hoje em dia já há muitas empresas a irem para a Holanda, se eu aumento ainda mais a taxa ainda vão mais. Para que uma estratégia desse tipo possa funcionar é muito importante que haja um certo acordo entre países, nomeadamente países que são substitutos, neste sentido, para não haver paraísos fiscais, acabar com Irlandas da Europa. Na minha opinião, a nível europeu devia ser um objetivo primário.

Já há a taxa mínima de 15%.
Nós já demos alguns passos, com a criação de um mínimo de 15% — que deveria ser mais porque senão quem se lixa é o mexilhão, porque o trabalhador é aquele que tem de facto menos mobilidade. Eu não quero ter uma política fiscal que seja motivada pela facilidade de tributação. Aliás, é o motivo porque nos Estados Unidos os sistemas de saúde são financiados pelo empregador. Isso não tem nenhum motivo económico geral, é, pura e simplesmente, porque é muito mais fácil fazer assim, historicamente foi assim que aconteceu. E não faz sentido absolutamente nenhum. Uma pessoa nos Estados Unidos que não tem emprego não tem acesso à saúde, o que não faz sentido absolutamente nenhum. Tudo isto porque era mais fácil fazer assim. Ora, temos de repensar nas coisas e pensar num sistema tributário não simplesmente porque é mais fácil mas porque faz mais sentido. Não faz muito sentido tributar o trabalho como está a ser tributado, embora seja muito mais fácil porque tem uma elasticidade de fuga muito menor. Mas nós temos de resolver o problema na origem e então depois ter uma política que faça sentido…

E isso vale também para a taxação sobre as grandes fortunas? Tem de haver alguma globalização nessa taxa.
De facto, Thomas Piketty, [Gabriel] Zucman em Berkeley, vários dos economistas que têm escrito muito sobre isso, a cruzada deles é essa. Boa sorte! Porque eles não têm tido muito sorte nisso. Ter dois ou três economistas franceses que tentam convencer os Estados Unidos que é importante ter uma taxa sobre a riqueza.

Mas agora vai ter…
Nada ao nível do que tem sido proposto e do que será efetivo, porque os Estados Unidos têm esse grande problema, a fuga é relativamente fácil ainda e é politicamente muito difícil vender [a ideia] nos Estados Unidos.

A fuga cá seria bem mais fácil do que a dos Estados Unidos?
Seria mais fácil, mas teria de ser feita nível europeu. Se nós conseguíssemos isso a nível europeu, seria já um progresso enorme, na minha opinião.

E o imposto sobre sucessões?
O problema mais de estratégia legal e estrutura tributária é desenhar um sistema que seja robusto, que as pessoas joguem à volta do sistema. Se conseguir isso eu penso que até a um certo nível faria todo o sentido.

Em relação ao financiamento da Segurança Social, devíamos caminhar para consignações, como falou, mas também para novas fontes de financiamento, nomeadamente em vez de tributar trabalhadores, tributar máquinas. Vê com bons olhos esses caminhos de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social?
Bom, como dizia em primeiro lugar, eu separaria o financiamento da Segurança Social do trabalho. A compensação que eu faria em termos de compensação na atividade económica seria mais sobre o capital ou seria mais sobre o rendimento da empresa. Eu diria, em princípio, do ponto de vista económico, preferiria que fosse mais sobre o rendimento das empresas, e menos sobre o investimento. O único problema hoje em dia, na minha opinião, a esse respeito, e isso não é uma ideia minha, mas é uma ideia que tem sido desenvolvida por várias pessoas, é que, justamente porque a atividade laboral é tão tributada, o incentivo para substituir o trabalho por inovações a única coisa que faz é substituir o trabalho sem aumentar a produtividade. É aquilo que alguns economistas chamam de inovações “assim assim”, que não são grande coisa. Alguns exemplos: as máquinas ATM, ou os checkouts dos supermercados automáticos, ou vários desses tipos de inovações, call centers automáticos, não aumentam muito a produtividade, não aumentam muito o bem-estar.

Até transferem o trabalho de uma pessoa para outra.
Nesses casos concretos talvez tivesse feito sentido tributar essas inovações, de forma a darem incentivos às empresas para fazerem investimentos que realmente aumentem a produtividade total, e não simplesmente para poupar. Mas acho que faz muito mais sentido, estruturalmente, falando como economista, resolver o problema da raiz. Por que que há esta distorção? Porque é que as pessoas se querem ver livre dos empregos? Vamos resolver esse problema para que as empresas não tenham incentivo em ver-se livres desses empregos, em vez de tributar robôs, porque depois poderá e certamente haverá muitas inovações de robótica e inteligência artificial que são muito importantes para a economia e que aumentam muito a produtividade ou o bem-estar. E eu não estou a ver como é que a pessoa encarregada na autoridade tributária tem a capacidade suficiente para saber fazer essa distinção.



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