• Sáb. Mai 18th, 2024

Entrevista ao bastonário dos dentistas. Novo programa de saúde oral deve beneficiar idosos, doentes crónicos e população em exclusão social – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Mai 4, 2024

Mas pode demorar muito tempo a implementar um programa desta escala?

Claro que pode. Gostava que este programa pudesse ficar desenhado até final do ano. Agora, tanto os profissionais como os portugueses devem ter o direito a saber qual é o investimento que o governo quer fazer nesta área. Repito: 20 milhões de euros para uma área tão importante como esta é uma ninharia, uma gota no oceano dos 15 mil milhões da saúde. Enquanto não houver uma priorização [da saúde oral] no orçamento, não tenho dúvida de que não vamos conseguir lidar com o desafio que temos em mãos.

E há disponibilidade do setor privado para colaborar com o governo neste esforço?

Há uma disponibilidade total, e é a forma mais eficiente e fácil de fazer chegar bons cuidados de saúde oral à população.

Este programa é importante para aumentar o acesso dos portugueses à saúde oral, num país em que mais de um quarto da população nunca foi ao dentista?

É um número que nos impressiona, que não nos deixa ficar bem na fotografia e que nos posiciona num atraso de desenvolvimento. Não podemos nunca dissociar o facto de quase 20% da população estar na pobreza com o facto de não terem condições de saúde oral — estão intimamente ligadas. A população que continua sem recursos a condições de saúde é uma população mais excluída e marginalizada.

Os cuidados de saúde oral são inacessíveis à população?

Continuamos a ter uma dificuldade de acesso, por duas razões: uma de cariz económica e outra de literacia e de reconhecimento das necessidades. Os indicadores destacam que mais de 50% da população que não visita o médico dentista aponta estes dois fatores. A falta de reconhecimento da saúde oral também é muito importante.

Porque é que parte da população ainda desvaloriza a ida ao dentista?

Por uma questão cultural e de pouco conhecimento da importância que a saúde oral pode ter para a saúde sistémica. Grande parte da população só vai ao dentista quando tem dor de dentes ou dor aguda. Esse é um comportamento que devemos melhorar através da literacia mas também criar condições para que através de programas de intervenção pública (com financiamento do estado e das autarquias) se possa colmatar esse comportamento.

O último relatório da Saúde Oral, relativo a 2023, dá conta de que mais de metade da população tem pelo menos um dente em falta e mais de um terço não foi ao dentista no último ano. Como chegámos aqui?

Temos mais de 6 milhões de portugueses com um dente em falta e mais de 20% da população não tem seis ou mais dentes. Isto significa que têm uma diminuição do ponto de vista funcional, de um órgão essencial para aparelho digestivo e também para a inserção social. Três em cada dez portugueses não visitam o médico dentista. A magnitude do desafio que temos nas mãos é muito grande e é por isso que qualquer governo que desencadeie um processo para travar este fenómeno ou compensar a falta de investimento de mais de 40 anos no SNS tem um problema que extravasa os quatro anos do ciclo governativo.

Houve falta de investimento nesta área?

Tivemos uma tríade de fatores. Houve falta de investimento da parte do setor público. Por outro lado, do ponto de vista cultural, a medicina dentária e os cuidados de saúde estiveram sempre distantes da importância da saúde sistémica. E outro fator preponderante: o facto de as escolas de medicina dentária terem surgido muito depois das restantes escolas médicas. Só a partir das década de 80 se criaram profissionais. Hoje temos quase 15 mil médicos dentistas mas, há 20 anos, não tínhamos sequer três mil médicos dentistas. Hoje temos até médicos dentistas em excesso, mas durante muitos anos, fizeram falta ao país.

Em que ponto se encontra a implementação dos gabinetes de saúde oral nos centros de saúde? Sabe-se que o governo anterior falhou as metas de forma sucessiva nos últimos anos.

Ainda não passou meio ano desde o lançamento de um relatório importante (por parte da Direção Executiva do SNS), uma versão melhorada com novos objetivos. Foi criada na DE-SNS a coordenação nacional para a saúde oral, liderada por um médico dentista e que tem a missão de cumprir a saúde oral nas ULS. Houve uma alocação orçamental no PRR, de cerca de oito milhões de euros, para dotar os cuidados de saúde primários de gabinetes de medicina dentária.

O objetivo principal, com que a Direção Executiva do SNS se comprometeu, é fácil de se conseguir. Estamos a falar de 178 médicos dentistas nestes gabinetes.

Mas porquê 178 médicos dentistas? Creio que a meta estabelecida pelo anterior governo era ter um gabinete de saúde oral por cada agrupamento de centros de saúde. Essa meta foi alterada?

Exatamente. Havia até 2021 o objetivo o objetivo de ter 286 médicos dentistas. Isso não foi cumprido — até porque houve a desculpa da pandemia e houve um redimensionamento aos objetivos, para que pelo menos fossem cumpridos. Numa primeira fase [devemos] tentar integrar devidamente estes dentistas, com dois principais objetivos: estarem devidamente integrados numa carreira e criar serviços de saúde oral nos cuidados de saúde primários, porque muitos médicos estão como peças fora do baralho na orgânica do SNS.

O novo objetivo são 178 dentistas nos centros de saúde. Ao dia de hoje, quantos existem?

Cerca de 150, que não têm um vínculo laboral, integrados numa carreira. Há médicos dentistas que estão equiparados a técnicos de saúde, o que é uma ilegalidade. Por outro lado, temos médicos dentistas contratados por empresas prestadoras de serviços, o que leva a uma rotatividade permanente.

E essa centena e meia dentistas é insuficiente? E qual é a distribuição desses profissionais pelo país?

É claramente insuficiente. Tem mais proeminência na zona Norte. A região de Lisboa e Vale do Tejo é a segunda com mais médicos dentistas nos cuidados de saúde primários.

Como é que as pessoas podem aceder ao dentista no centro de saúde?

Recorrendo ao médico de Medicina Geral e Familiar [médico de família], seja por uma questão urgente ou de monitorização.



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