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Acudam à Santa Casa… – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Mai 7, 2024



O primeiro mês de actividade do novo governo não foi auspicioso. Em contrapartida, assistiu-se ao despertar de uma “santa aliança” na oposição entre o PS e o Chega, cúmplices,  sem remorsos nem “linhas vermelhas”, viabilizando propostas contrárias à vontade do governo, desde o IRS às portagens nas SCUTS.

Esta “apropriação” parlamentar de competências do executivo, trouxe os primeiros “amargos de boca” a Luís Montenegro, pressionado para ser politicamente pragmático e “mandar às malvas” os seus preconceitos em relação ao Chega e a André Ventura.

Houve mesmo quem defendesse, abertamente, no comentariado das televisões, uma viragem na estratégia de Montenegro, advogando que este, se quiser cumprir a legislatura, só precisa de conversar com Ventura, e chamar o Chega para o governo, em nome da suposta vontade popular expressa nas urnas.

Percebeu-se que a hipótese deixou nervoso Pedro Nuno Santos que, entretanto, tem vindo a “colar”, persistente, o PSD à extrema direita, quando, na verdade, tem sido o PS a receber o “abraço” do Chega, em votações parlamentares com visibilidade mediática.

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Para encobrir essa “santa aliança”, Pedro Nuno não hesitou mesmo em afirmar que a direita tradicional está “a assumir as bandeiras da extrema direita”, incitando a juventude socialista a denunciar a manobra e a combatê-la. Uma hipocrisia.

Com indisfarçável gozo e impudor, o líder socialista diria mesmo que “na oposição já fizemos mais do que eles no Governo”, enquanto vigia, passo a passo, cada decisão governativa, designadamente, na exoneração da provedora Ana Jorge e da mesa da Misericórdia de Lisboa, insinuando que Montenegro “está mais preocupado em desfazer o que estava a ser feito do que em construir”.

Sucede que há muito “estalou o verniz “, entre confrades da mesma confraria, por causa dos prejuízos acumulados nas contas da Santa Casa, pretexto para o alegado “saneamento político” dos responsáveis da instituição.

A quem se interrogue sobre a bondade da iniciativa do governo, convirá recuperar o que foi dito pelos dois últimos provedores socialistas da Santa Casa, sem “punhos de renda”.

Se para Ana Jorge, mal empossada, a expansão global da Santa Casa de Lisboa “foi um desastre”, acusando o seu antecessor de ter comprometido a Instituição, ao “dar gás” à chamada internacionalização dos jogos sociais no Brasil, já Edmundo Martinho, o ex-provedor, não foi meigo na resposta, atribuindo-lhe “profunda má-fé e vontade de diminuir”, além de “colocar em perigo as contas da Santa Casa para o futuro”.

Pelo meio, houve de tudo um pouco, desde um quadro de pessoal inflacionado e repleto de “tachos” para “boys” e “girls” com cartão partidário, até ao desbaratamento de dinheiro em inúmeros patrocínios, entre festivais de rock e várias modalidades desportivas – sem se perceber o seu interesse e alcance -, além da   aquisição do falido Hospital da Cruz Vermelha.

Para o “cocktail” ser ainda mais explosivo, junte-se a quebra de receitas, devida à forte concorrência que os jogos sociais passaram a enfrentar, em especial, na oferta de jogo “online”.

São contingências que não escondem, em qualquer caso, a sua instrumentalização política, que “domesticou” a natureza mais genuína da Santa Casa, que passou a servir, dócil e obediente, interesses espúrios de sucessivos governos socialistas.

Ao aproveitar o episódio da exoneração de Ana Jorge, o PS reagiu, num medido “estado de choque”, aos termos duros usados pelo governo para enquadrar o despedimento da provedora, nomeada há menos de um ano, com o declarado propósito   de “meter ordem na casa”, deixada em grande desalinho financeiro pela anterior administração.

O certo é que o despacho de exoneração acusava Ana Jorge de “actuações gravemente negligentes”, embora impondo-lhe, posteriormente, que ficasse em gestão corrente até ser substituída, algo pouco coerente com os “efeitos imediatos”.

O rosário da Santa Casa tem que se lhe diga, e Ana Jorge não foi de meias palavras quando elencou os prejuízos detectados na gestão do correligionário que a antecedera, concluindo mesmo, feita uma auditoria, que “a operação no Rio de Janeiro não deu dinheiro, nem iria dar — e, mesmo assim, continuaram”. E, em conformidade, participou as “irregularidades” à PGR para competente investigação.

Definitivamente de “candeias às avessas”, Edmundo Martinho não só refutou a tese de Ana Jorge, como lhe respondeu à letra, sustentando que “não fui, de todo, responsável pela permanente destruição de valor no último ano”.

Para Martinho, a administração de Ana Jorge limitou-se a “denegrir o trabalho realizado pela anterior administração”. Zangam-se as “comadres”

O leitor não estranhe este ramalhete de citações, insuficiente, aliás, para traduzir o clima instalado na Santa Casa e o estado a que chegaram as relações entre provedora e ex-provedor, tipificando o clássico “salve-se quem puder”, e o empenho de ambos em “sacudir a água do capote”.

O que mais impressiona, no entanto, é a erosão assinalável dos cofres da Santa Casa, que movimentam e arrecadam milhões com os jogos sociais, a sua principal fonte de receitas, enquanto a Instituição dá guarida a mais de seis mil funcionários, apascentados por um “exército“ superior a meio milhar de chefes e directores. Um desbragamento, com uma nutrida folha de honorários.
De facto, segundo o último relatório de gestão e contas, e em comparação com 2017, o quadro de pessoal “inchou” significativamente.

Basta anotar que a Santa Casa dispunha então, de pouco mais de cinco mil funcionários e de 309 dirigentes. E já eram demais. Mesmo assim, foi um “regaço” partidário de conveniência que Ana Jorge também alimentou, e que explica a diferença.

Claro que o agravamento da despesa, ao “trepar” 20% em apenas seis anos de gestão socialista, teria de influenciar, também, os resultados.

Escrevemos há menos de um ano, que a pegada do descalabro da Santa Casa estava à vista, se, entretanto, não fossem tomadas medidas “draconianas” de contenção da despesa e de reparação de investimentos ruinosos. Infelizmente, não nos enganamos.

A verdade é que a “todo-poderosa” Santa Casa passou dos lucros aos prejuízos, enquanto prodigalizava generosos apoios, a pretexto de valorizar as acessibilidades no desporto e na cultura.

Desde 2012, por exemplo, que a Santa Casa concede o seu patrocínio, ao festival Rock in Rio – uma invenção brasileira da família Medina, exportada para Portugal, com receita milionária garantida, à semelhança da feira tecnológica, designada por Web Summit, lançada por um irlandês esperto e contratualizada pelo município lisboeta na era socialista

Recorde-se, ainda, que houve mesmo uma responsável de marketing da Santa Casa, que se ufanava dessa “estratégia” em nome da expansão da ‘marca’, que, pelos vistos, apesar das suas origens remontarem a 1498, ainda não era suficientemente conhecida…

Ora, que se saiba, nem a Santa Casa é uma ‘marca’ – a tolice em ‘língua de pau’ -, nem a instituição carece de publicidade para se promover.

A mais importante ‘marca’ da Santa Casa de Lisboa – e de tantas outras congéneres espalhadas pelo país – é o auxílio aos mais desfavorecidos, cumprindo a sua vocação matricial, que nada tem a ver com festivais de rock ou com um sortido variado de modalidades desportivas, conforme consta do seu site.

No limite, compreende-se – e será de aperfeiçoar – que a Santa Casa financie e ajude atletas deficientes e paraolímpicos. Mas escapa a qualquer lógica que patrocine inúmeras modalidades, fortemente profissionalizadas, depois de romperem com a sua natureza amadora.

A única ‘marca’ digna da Santa Casa, respeita ao seu carácter solidário, do qual dependem numerosos portugueses, envolvendo tanto a primeira infância, como a idade sénior, esta com dramática notoriedade, verificada nos doentes abandonados em hospitais públicos, por falta de estruturas de rectaguarda para recebê-los.

Em vez de concentrar-se nessa missão primordial – alocando os fundos necessários para melhorar a oferta de creches ou a rede de cuidados continuados -, a orgia de patrocínios em que a Santa Casa se enredou, em nome da “marca”, foi uma parolice que, segundo Martinho, contou sempre com o visto da tutela, bem como a tal «estratégia de internacionalização» (Santa Casa Global), com milhões queimados em pura perda.

Aqui chegados, como pode o PS falar em “saneamento político” de Ana Jorge, em vez de apurar e imputar responsabilidades a gente sua e de interrogar-se sobre quem acode à Santa Casa?…

O PS não tem emenda. Aliás, estará talvez a querer ressarcir-se dos despedimentos que praticou na esfera pública, com grande ligeireza, alguns ainda por resolver.

Recordem-se, por exemplo, as trapalhadas à volta das demissões e das indemnizações ocorridas na TAP, desde a CEO, Christine Ourmières-Widener – cujo processo de despedimento corre ainda nos tribunais -, ou a da administradora, Alexandra Reis, que o actual líder do PS, Pedro Nuno Santos, à época ministro da tutela, despachou e autorizou, apesar de não se lembrar depois, acossado por uma súbita amnésia.

A captura do aparelho do Estado, prosseguida com grande desvelo, permitiu a colocação de não poucos fiéis do partido, em lugares-chave, regiamente pagos.

São esses devotos que hoje se mobilizam para resistir, entrincheirados, perante um novo governo, cuja vigência rezam para que seja de curto prazo.

O PS, com o actual líder, não se corrige nem se regenera. E ganhou novo fôlego ao descobrir que, com a ajuda interesseira do Chega, poderá “governar” a partir do Parlamento, graças à “coligação negativa”, que “está bem e recomenda-se” e que promete não ficar por aqui…

Em pouco tempo, a “santa aliança” confirmou-se. As “linhas vermelhas”, lembradas mil vezes a Montenegro, durante a campanha eleitoral são, afinal, a “via verde” de Pedro Nuno Santos de “braço dado” com André Ventura. Quem diria…



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