Qualquer que fosse o resultado da eleição nos Estados Unidos, a realidade geopolítica do nosso tempo não sofre grandes alterações, mesmo que as soluções de cada candidatura pudessem ser diferentes, porque há um elefante que entrou na sala com estrondo, a China. Uma China que não vai desaparecer e que afectará de forma profunda as relações internacionais e a reorganização das alianças e dos seus perigos potenciais, muitos dos quais já estamos a viver na Ucrânia, no Médio Oriente e, porventura mais importante, com o fim das Nações Unidas como uma solução credível de último recurso.
Neste contexto é preciso tomar partido, porque não podemos ignorar que de um lado da equação estão países com soluções democráticas, umas melhores e outras piores, e do outro lado estão regimes autoritários, por vezes de um homem só, que não dependem do voto para mudar a cada quatro ou cinco anos e cuja continuidade no poder comporta enormes riscos para o conjunto da humanidade, riscos resultantes do excesso de poder sem controlo. Mais claramente, com a possibilidade de a humanidade depender do que se passa na cabeça de um só homem.
Recentemente escrevi que António Guterres tinha a possibilidade de convocar a China para uma clarificação do seu posicionamento político, cuja sabedoria milenar não deve ser desperdiçada e poderá ser útil na resolução de muitos dos problemas com que o planeta está confrontado. No que escrevi, convoquei a possibilidade de a Assembleia Geral das Nações Unidas criar uma comissão de três países sob a liderança da China, com o objetivo de negociar a paz na Ucrânia. Seja porque é desejável não dar à China a possibilidade de continuar a sobreviver por entre os pingos da chuva e sem clarificar as suas posições políticas, nomeadamente o seu apoio a Putin, evitando por essa via que Donald Trump possa liderar as previsíveis negociações com a Rússia. Trata-se apenas de antecipar o papel político da futura maior economia do planeta, a par dos Estados Unidos. Claro que a China poderá não aceitar, mas isso já será parte de uma clarificação pela negativa, o que obrigaria a China, acredito, a pensar duas vezes.
Entretanto, uma coisa é desejar que a China assuma as suas responsabilidades políticas que correspondem à sua dimensão humana e económica e outra bem diferente de permitir sem luta o seu domínio económico, já que defendemos uma economia de mercado e da concorrência. Razão por que vejo com preocupação a possível decisão do novo Presidente dos Estados Unidos em enveredar pela guerra comercial com a China, ou que a União Europeia siga a receita, que considero muito pouco inteligente.
Como defendo há muito, a solução para as economias do nosso tempo reside em antecipar as transformações previsíveis. Para isso advogo que os Estados Unidos e a União Europeia promovam, sem estrondo, o retorno das suas empresas da China, utilizando para isso todas as novas possibilidades conhecidas da ciência e da tecnologia, com o objectivo de produzir com muito menos pessoas e a custos mais reduzidos, iniciando com isso o processo de criação das novas fábricas do futuro. Claro que esta solução não pode ser feita por mera decisão política, mas através da criação de uma nova cultura económica e empresarial, aliás já em debate na América. Por exemplo, no caso das novas fábricas em construção nos Estados Unidos para a produção de semicondutores, a partir de empresas hoje existentes em Taiwan.
Em resumo, estamos a viver o tempo de uma encruzilhada de extrema dificuldade entre a guerra e a paz, entre aproveitar os frutos das novas ciências e tecnologias para um futuro melhor e mais feliz de toda a humanidade, ou a destruição pura e simples do planeta. Nisto não há meio termo, para além de defendermos o modelo democrático de governo, mas na compreensão dos perigos a que os nossos excessos possam conduzir. É o tempo da inteligência e da sabedoria que a humanidade já percorre há muitos séculos, mas que no nosso tempo não permite erros de direcção.