Enviado especial do Observador em Paris, França
Vamos fazer um exercício novo: arranque sonoro, 21h16 em Paris, início da prova de 1.500 metros
O número de provas de Katie Ledecky nos Jogos Olímpicos já é mais curto. Em comparação com Tóquio, a norte-americana abdicou dos 200 livres, ficando apenas com os 400, 800 e 1.500 mas treinando na mesma para os 200 porque tem um especial prazer em fazer a estafeta dos EUA na distância (até mais do que ganhar mais uma medalha, na sua ótica). No entanto, Paris não começou da melhor forma. Longe disso. E naquela que seria a prova onde teria realmente adversárias, até por partir como a outsider que perdeu o título em 2020 frente à australiana Ariarne Titmus, a norte-americana ficou com o bronze. No final, Ledecky disse que ganhou o bronze. A cara, essa, contava uma outra história: Ledecky tinha perdido o ouro e a prata.
Katie Ledecky acaba de passar sozinha aos 300 metros com 3.01,78, 0,31 abaixo do recorde mundial
Falou-se muito da questão da pista 4 e 5 mas aquilo que se viu, em resumo, foi uma Titmus a dominar desde início e uma Ledecky que até aos 200 metros se pensava estar a gerir para acelerar como tinha acontecido na ronda anterior. Não foi isso que aconteceu e, na parte final, com Summer McIntosh sólida no segundo lugar, aquilo que se chegou a temer era que a norte-americana ainda falhasse o pódio. Não aconteceu. Nos dias seguintes, os jornais norte-americanos foram falando com treinadores, com companheiros, com analistas, com a própria. Conclusão? Aquilo que colocava a atleta com aquele ar meio perdido não era propriamente a terceira posição na final mas sim o facto de nem ter baixado do quatro minutos. Sabia que podia ter feito mais, sabia que podia ter forçado mais. O problema era ela e apenas ela, não o facto de ficar em terceiro.
Katie Ledecky está ainda mais isolada aos 600 metros com 6.09,06, 0,77 acima do recorde mundial
“Ainda continuo a sentir que tenho muito a dar a esta corrida. Não foi a minha melhor performance do ano mas ainda consegui ganhar uma medalha, ainda sinto que tenho condições para esta corrida. Não penso que por não ter conseguido deixei de ser capaz”, referiu a nadadora, naquilo que o The Athletic descrevia de uma forma analítica como uma espécie de tentativa a convencer-se a si mesma de que ainda era capaz. Segundo a publicação, Ledecky não está ainda preparada para enfrentar a questão “Será que ainda sou mesmo capaz?”. Em paralelo, a norte-americana tem também um problema que se vai avolumando: não tem rival possível nos 800 e nos 1.500, ganhou uma nova adversária nos 400 para os próximos anos além de Titmus (Summer McIntosh) e o facto de abdicar dos 200 também foi um sinal. Afinal, Ledecky nada para onde?
Katie Ledecky está muito mais isolada aos 1.200 metros com 12.56,17, 7,13 acima do recorde mundial
Ledecky pode não ter um peso como o de Simone Biles mas é uma das atletas mais acarinhadas pelos norte-americanos por tudo o que representa. Pelo trabalho, pela capacidade de resiliência, pelo comportamento que tem fora das piscinas dando o exemplo e abraçando inúmeras causas, pela forma como se refugiou da forma que entendeu ser a melhor e mais benéfica antes dos Jogos de Tóquio-2020 quando via tanta gente à sua volta, sobretudo companheiras de equipa, a assumirem depressões e questões ligadas à saúde mental, numa espécie de mosteiro. Quis reencontrar-se como pessoa para ser melhor como atleta.
Katie Ledecky conquista a medalha de ouro com 15.30,02 (um novo recorde olímpico da distância)
Podemos não conseguir escrever tudo enquanto Katie Ledecky ganha mais uma medalha mas ela parece que faz questão de haver sempre algo mais para dizer com o que faz nas piscinas. Foi assim em 2022, quando foi aos Mundiais e ganhou quatro medalhas de ouro ultrapassando Natalie Coughlin como atleta com mais pódios conseguidos. Foi assim em 2023, quando foi aos Mundiais e ganhou dois ouros e duas pratas, tendo aí ultrapassado o registo de vitórias na competição de Michael Phelps. Agora, em Paris, mais do mesmo.
Aquela medalha, mesmo sendo de um bronze a que não está habituada (até agora tinha três pratas e o resto tudo ouro em Jogos, sendo que em 2012 ganhou a primeira nos 800 tendo apenas 15 anos), contou. Foi até um pódio que pode fazer toda a diferença, como se começou a perceber esta quarta-feira: com o triunfo nos 1.500 metros sem história em relação ao primeiro lugar, Ledecky igualou Jenny Thompson como a atleta com mais ouros olímpicos (oito) e Thompson, Natalie Coughlin e Dara Torres como a atleta com mais medalhas olímpicas (12). Faltando ainda a final dos 800 livres em Paris, é só fazer as contas. E a forma como festejou o triunfo numa corrida onde andou sempre sozinha mostra o porquê desse estatuto.