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Notas sobre o Ensino Superior – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 1, 2023

1 Esta semana saíram as tradicionais colocações para acesso ao Ensino Superior em Portugal. Entre a habitual obsessão com as classificações dos últimos colocados em cada curso, os rankings de cursos (por média ou empregabilidade) e as histórias individuais que se contam nos meios de comunicação social, não vi quase nenhuma discussão sobre os problemas fundamentais que a Universidade enfrenta hoje em Portugal. Infelizmente, a dimensão dos problemas é de tal ordem, e a inépcia do Governo e da ministra do Ensino superior perante o assunto tão gritantes, que o mais provável é assistirmos àquilo a que António Costa nos habituou. Em vez de desenharem políticas públicas inteligentes e aplicá-las com rigor, os actores políticos preferem lançar “estratégias de comunicação” que abafem o problema durante uns dias e, no essencial, deixá-lo arrastar. Como vemos no caso da habitação ou do investimento público em transportes, deixar o problema arrastar-se tem tudo para exponenciar a sua dimensão até atingir um nível dramático que exigirá um investimento público ainda maior se ainda quisermos resolver a situação.

2 Neste reinício de ano lectivo, o problema que mais tem sido discutido é a habitação para os estudantes. Naturalmente, num contexto onde o acesso à habitação nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto é difícil para muitas famílias e jovens que já se encontram no mercado de trabalho, o efeito análogo faz-se sentir também na oferta de habitação a preços acessíveis para estudantes. Em Portugal, a oferta de residências universitárias e públicas é irrisória, o que obriga a grande maioria dos estudantes deslocados a optar por quartos (ou apartamentos) no mercado privado. No mesmo mercado privado onde casas e apartamentos “inteiros” também são dispendiosos de arrendar. Assim, não é estranho vermos quartos arrendados a estudantes por 400 ou 500 euros mensais, ou seja, cerca de 6000 anuais, sem contar com todas as restantes despesas necessárias. Naturalmente, num país onde 67% dos agregados familiares recebe menos de 19.000 euros por ano, antes de impostos, e 80% menos de 27.500 euros brutos anuais, esse valor simplesmente não é suportável para muitas famílias. Tudo isto se afigura mais grave se atentarmos às sucessivas declarações que os governos de António Costa têm vindo a fazer. Desde 2015, ano após ano, anuncia-se a construção e disponibilização de mais residências universitárias a preços acessíveis. No início de cada ano lectivo, quando o assunto ganha saliência mediática, tal como aconteceu este ano, o governo volta a reiterar a sua promessa. Depois, nada acontece. É bom relembrar os mais distraídos que, em teoria, este governo deveria ter um programa de cariz social-democrata. Na prática, apontam-se metas, trabalha-se para reforçar o orçamento e outras expressões equivalentes onde se está sempre a planear a acção futura, mas o dito orçamento nunca é executado, nem a promessa concluída.

3 A questão da inércia no apoio à habitação de estudantes torna-se mais gritante quando posta em contraste com a política de propinas que os governos de António Costa, principalmente o da famosa “Geringonça”, decidiu pôr em prática desde 2016. Talvez incentivado pelos quadros do Bloco de Esquerda, socializados politicamente nos ambientes e lutas estudantis dos anos 90, entretanto obsoletos e desajustados ao mundo de hoje, Costa decidiu pôr em prática uma política de redução de propinas, de um tecto máximo de 1065 euros anuais para os actuais 697 euros. No mesmo período, nada fez quanto à habitação estudantil e muito pouco fez para conceder mais bolsas de apoio à frequência do ensino superior para estudantes de baixos rendimentos. A esta luz, não é possível interpretar a redução de 368 euros anuais nas propinas como algo para além de uma medida simbólica e populista, típica, de resto, da agremiação de extrema-esquerda que apoiou a Geringonça. Nenhum estudante deixa de frequentar o ensino superior por causa desses 368 euros. Deixa, isso sim, pelos 6000 euros necessários ao simples acto de alojar-se na cidade onde estuda.

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