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como foram as últimas horas de Pinto da Costa na presidência – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 28, 2024

“Como dizia o João Pinto, prognósticos só no final do jogo”. Em pelo menos duas ocasiões, Pinto da Costa foi recordando a mítica frase do antigo capitão para falar das eleições, como que empurrando qualquer decisão para o sufrágio. Sem antecipações, sem favoritismos, sem vitórias (ou derrotas) antes do tempo. No entanto, quer Pinto da Costa, quer as pessoas que o rodeavam sabiam o que estava a acontecer. Mais: por cada medida que ia tomando para ganhar capital nos derradeiros dias, perdia-o por tudo soar quase a um trunfo de última hora em desespero. Só mesmo um milagre poderia preservar uma era de 42 anos, mesmo que essa era nunca fosse igual e tivesse necessariamente de abrir um capítulo 2.0. Não aconteceu. E aquele que era o presidente da maior era de sempre de um clube e o líder mais titulado saiu sem glória pela porta pequena. Para se perceber aquilo que estava em causa, nada como recordar um texto do FC Porto publicado em 2021.

“Há quase 600 anos, escrevendo sobre as guerras do reinado de D. Fernando, o cronista Fernão Lopes deu conta de que então nasceu “um mundo novo, muito contrário ao primeiro”. Foi também isso que aconteceu a 23 de abril de 1982, tanto na história do FC Porto como na do desporto português, não na sequência de um conflito armado, mas como resultado de uma eleição democrática. Nesse dia, aos 44 anos de idade, Jorge Nuno Pinto da Costa assinou pela primeira vez um ato de posse como presidente do clube.

Na verdade, as sementes da mudança já tinham sido lançadas alguns anos antes, entre 1976 e 1980, quando Jorge Nuno Pinto da Costa e José Maria Pedroto revolucionaram o futebol do FC Porto e concretizaram um verdadeiro 25 de abril na modalidade. Em 1978, a conquista do campeonato nacional significou um ponto final em 19 anos de hegemonia dos clubes da capital, que em conjunto tinham vencido 38 das 43 edições da liga disputadas até então. O poder asfixiante de Lisboa, transversal aos diversos domínios da sociedade, passou a enfrentar resistência dura a partir de uma instituição do Norte e nunca mais foi tão forte no desporto.

Foi a 23 de abril de 1982, no entanto, que ficaram plenamente reunidas as condições para a afirmação do FC Porto à escala global. Nada ficou igual depois dessa data. O clube que nunca tinha atingido as meias-finais de uma competição europeia conseguiu conquistar sete troféus internacionais – e ser mesmo duas vezes consagrado como o melhor do continente e outras duas como o melhor do mundo. Nas provas internas os números também foram arrasadores (…) Nos 60 anos entre 1922, quando surgiram as competições oficiais de caráter nacional, e 1982, quando Jorge Nuno Pinto da Costa foi eleito presidente, o FC Porto venceu 16 troféus no futebol (…)

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Mas o trabalho e o sucesso desta liderança estendem-se por vários domínios. Nas outras modalidades, houve títulos europeus de hóquei em patins e de bilhar, um decacampeonato de hóquei, um heptacampeonato de andebol, além de várias centenas de outros títulos e de muitas marcas de prestígio. Ao nível do património, houve acontecimentos tão relevantes como o rebaixamento do Estádio da Antas, as construções do Estádio do Dragão, do Dragão Arena e do Museu FC Porto, a reabilitação do Campo da Constituição e o estabelecimento de parcerias que permitem ao clube usufruir do Centro de Treinos do Olival e do Complexo de Piscinas de Campanhã. Paralela a este crescimento desportivo e infraestrutural ocorreu, também, uma expansão da comunidade portista: em 1977, o FC Porto tinha 52 mil sócios, 90% dos quais se concentravam nos concelhos do Porto, de Gondomar, da Maia, de Matosinhos, de Valongo e de Vila Nova de Gaia; em 2020, como resultado destes sucessos, já eram quase 140 mil, muito mais espalhados por todo o país e pelo mundo e com especial implantação no Norte de Portugal”.

Tudo certo. Tudo factos. Tudo caído em “desgraça” nos últimos quatro anos por nunca ter existido uma análise correta daquilo que significavam os 31% de José Fernando Rio e Nuno Lobo nas eleições de 2020.

Apesar de ter como hora indicativa as 11h para exercer o direito de voto, Pinto da Costa chegou bem depois dessa hora ao Estádio do Dragão, tão depois que acabou por votar depois do principal adversário, André Villas-Boas. Umas vezes acompanhado pela mulher, Cláudia Campo, outras pela filha, Joana, sempre pelos elementos mais próximos da lista como Vítor Baía, António Oliveira ou João Rafael Koehler. Houve até uma espécie de rábula à chegada do presidente portista, com alguns a esperarem que descesse a Alameda do Dragão a pé, outros a pensar que já estaria no interior do recinto e no meio destas dúvidas a passar por uma zona que estava vedada a automóveis que só não fez com que chegasse à mesa de voto pelo interior do recinto porque foi visto a sair do carro quando entrou pela garagem do Estádio do Dragão.

Depois de votar, neste caso acompanhado pela filha Joana, foi Vítor Baía que deu a cara pela lista. Olhando até para o que se passou em 2020, tudo indicava para que fosse Pinto da Costa a falar mas nessa altura, ao início da tarde, começava a perceber-se o que à noite seria um dado adquirido. Segundo explicaram ao nosso jornal, e apesar de todos os pedidos feitos pelos candidatos, a lista A esperava uma adesão nunca superior aos 18 a 20 mil associados quando no final acabaram por ser quase 27 mil. Só com os milhares de pessoas que estavam à espera na abertura de portas e a cadência de entradas de manhã se percebia que, a mais de três horas do final da votação, esse registo já atingido. Mais um sinal entre muitos outros sinais.

Após votar, Pinto da Costa decidiu não falar na zona mista aos jornalistas e permitiu que a SIC, além do Porto Canal, captassem a sua reação ao que se estava a passar. Pela primeira vez, o líder dos azuis e brancos falava de um cenário de derrota sem “chutar” a questão para a frente. “O que eles escolherem, está correto. A lista B fez tudo para dividir o clube, inclusive para influenciar os resultados das nossas equipas como provarei quando tudo acalmar. Ser tensa [a campanha] é natural, as pessoas põem entusiasmo, mas passou das marcas, quando houve insultos às pessoas da minha lista e a mim, isso não é digno de candidatos a dirigentes do FC Porto. Mas fechadas as urnas, esquecerei isso e temos de ser todos pelo Porto”, prometia.

“Críticas? Porque haveria de esperar se o candidato da lista B me andava a criticar por não ter fechado com o Conceição? Ele disse que ia sentar-se com ele, não haveria de ser para ver se dava bem ou mal, era para contratar. Não havia que perder tempo, o Sérgio Conceição é um treinador muito requisitado pelos outros clubes, não íamos arriscar não o fazer. Também ouvi críticas do negócio com o estádio, que devíamos esperar, não entendo onde está a falta de ética, vamos receber 65 milhões de euros e fizemos questão de os receber só em junho para que seja a nova Direção a recebê-los. Se alguém achar que é mau, pode devolver o dinheiro e anular o contrato. O centro de estágio era uma necessidade, criticavam por demorar, quando conseguimos ultrapassar estas dificuldades, muitas postas pela lista B, com queixas anónimas, obviamente que fizemos a escritura”, continuou a apontar Pinto da Costa nesse momento.

“A afluência é sinal de vitalidade do clube. Os sócios é que conhecem bem o clube e sabem quem lhes interessa. Se entenderem que eu tenho de continuar, será com a mesma paixão. Se entenderem que não, saio tranquilamente e eles ficam com a responsabilidade de terem votado na mudança, ficam com o mérito de tudo o que correr bem e a responsabilidade de tudo o que correr mal. As pessoas não podem ser sócias só para vir ao futebol, têm de participar na vida do clube nos momentos e este é um momento especial”, salientou. “Operação Pretoriano? Se os adeptos souberem que os afetos à lista B, antes da Assembleia Geral dissessem às pessoas que viessem em massa e filmar, reunissem em grupos e chamassem jornalistas, quando souberem como se passou, isso iria beneficiar-nos. Se perder? Passo a ser um sócio que vai viver um clube sem responsabilidades, problemas e preocupações. Iria viver mais a minha vida, a minha família e finalmente ter férias, que ao fim destes anos todos são passadas com o FC Porto. Telefonar a Villas-Boas? Não tenho o número dele. Quem vencer tem de receber o testemunho e os dossiês, isso é normal”, concluiu.

Havia já um misto de resignação, consternação e tristeza no núcleo duro de Pinto da Costa, que começava a receber na zona destinada à lista A agradecimentos que soavam a despedida. Os primeiros sinais públicos de derrota, esses, acabaram por surgir nas palavras de Marta Massada. “Este dia é uma ode ao portismo. Temos de agradecer a todos os sócios que se mobilizaram por este ambiente maravilhoso e pelos interesses do clube. Este dia é manifestamente uma vitória para o FC Porto. De facto existe um outro candidato que mobilizou muita gente, um fortíssimo candidato, com uma candidatura um pouco diferente do que se verificou há quatro anos, muito bem construída e objetivos sólidos. Acredito que tenha sido a candidatura de Villas-Boas que tenha mobilizado toda esta gente, independentemente de para quem vai os votos dos sócios. Este momento do FC Porto assim o pediu e os sócios mobilizaram-se. Votaram pelo clube”, referiu.

Foi nesse contexto que as pessoas próximas de Pinto da Costa questionaram se queria na mesma ir ao jogo de andebol com o Sporting no Dragão Arena. O então ainda líder portista nem colocou essa hipótese em causa e, pouco depois das 19h10, decidiu deixar o estádio para passar ao pavilhão. Foi aí que teve aquilo que foi uma autêntica despedida de uma massa adepta que tinha real consciência do que se estava passar: após chegar à tribuna do Dragão Arena na companhia da mulher, todos os adeptos se levantaram para uma ovação de pé saudada com visível emoção por Pinto da Costa. Ficaria apenas até ao intervalo. Aliás, o próprio encontro teve um instante de “paragem” porque Carlos Resende, técnico dos portistas, pediu um descontos de tempo nos últimos segundos da primeira parte quando se cantavam músicas do clube em direção da tribuna, numa altura em que o número 1 dos azuis e brancos estava de pé por pensar que chegara o descanso.

Ao longo desses 30 minutos, Pinto da Costa, acompanhado de alguns elementos como Vítor Baía ou António Oliveira, foi vibrando com o jogo mas com várias paragens para parar e mexer ao telefone. Na melhor fase dos azuis e brancos no encontro, quando ganharam uma vantagem de quatro golos, o presidente portista olhava apenas para o telefone e para as mensagens que ia recebendo. Depois, voltou ao Estádio do Dragão. De toda a lista A, apenas António Oliveira ficou um pouco mais para a segunda parte, tendo saído a 20 minutos do final quando as “tropas” se voltavam a reunir outra vez no camarote destinado ao efeito.

Era uma questão de tempo até serem conhecidos os resultados e foi Vítor Baía, mais uma vez, que deu a cara pela lista A, neste caso pela derrota que estava a ser anunciada por todos os meios. “Queria felicitar a lista B pela vitória nas eleições. Os sócios falaram, são unânimes nesta decisão e é um momento de transição, de mudança. Os sócios são quem manda no clube e assim desejaram. Agora, há que preparar o futuro, há que apelar à união. Termina um legado incrível da pessoa mais importante da história do FC Porto, que devemos enaltecer. Foi incrível o patamar de excelência em que colocou o clube. Eternamente gratos ao seu trabalho. Sou um privilegiado, tive o prazer de o ter como presidente. Tive o prazer de o ter como administrador e presidente também”, destacou Vítor Baía, também ele emocionado, na zona mista.

“O presidente tem um amor e uma paixão pelo FC Porto incrível. Naturalmente não é momento de grande felicidade, como devem imaginar. Sentia que tinha ainda muito para fazer. Agora há que fazer reflexão sobre o que aconteceu. Mais uma vez, referir o que já disse: os sócios decidiram por esta mudança. O que queremos é que a próxima Direção consiga fazer o mesmo que fizemos. O FC Porto tem de sair unido. O FC Porto está acima de tudo e todos. Momento de união e queremos que o FC Porto continue a vencer. Amanhã temos jogo importante, que queremos vencer. Que seja dada continuidade a uma história incrível”, acrescentou.

Primeiro, Vítor Baía falava de alguém confiante, bem disposto, sempre a dizer piadas como é seu timbre. À tarde, Marta Massada descrevia alguém que, como sempre, estava calmo e sereno. No final, as imagens foram falando por si. Quando saía no carro conduzido pela mulher, Pinto da Costa sentia o momento de olhos embargados ao ver o apoio de dezenas de adeptos ligados à claque Super Dragões que cantavam “Queremos o presidente” enquanto se iam atirando para cima da viatura que liderava toda a comitiva da lista A na saída do Estádio do Dragão. Até Nuno Lobo, o outro candidato derrotado, ficou emocionado e quase a chorar ao recordar que chegara ao fim uma liderança de 42 anos. A viagem era curta até casa mas tornou-se a mais longa de uma vida. Com uma promessa: muito em breve, mais breve do que se possa pensar, Pinto da Costa vai falar sobre o que se passou neste 27 de abril. A era acabou, o sócio Jorge Nuno nem por isso.



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