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Aprender a falar do 25 de Abril – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 25, 2024

Por dever de ofício, ouvi os discursos, vi os documentários e li os suplementos. Não pude, por isso, concluir outra coisa: cinquenta anos depois, continuamos a não saber falar do 25 de Abril de 1974, nem da democracia.

O 25 de Abril de 1974 continua a ser deturpado por um folclore que fez do PREC de 1975 a sua essência. Já era tempo de termos aprendido alguma história. O 25 de Abril foi um golpe militar que libertou o país de uma ditadura que negava aos portugueses o tipo de vida pública da Europa ocidental, e que se metera num beco sem saída com as guerras em África. Por isso, toda a gente aderiu, como se viu no dia 1 de Maio de 1974. Mas foi também um golpe militar que, em poucos meses, descambou na última revolução marxista da Europa, que trespassou as antigas colónias de África a novas ditaduras sanguinárias e corruptas e que pôs em causa, em Portugal, o Estado de direito, a liberdade e o desenvolvimento. Em 1975, o PIB afundara-se e havia mais presos políticos do que em 1974. Por isso, muita gente lhe resistiu, nas urnas e nas ruas.

A derrota da “esquerda militar” no confronto de 25 de Novembro de 1975 foi providencial. O 25 de Abril de 1974 podia ter sido o “dia inicial” de uma esquálida ditadura de tipo soviético ou terceiro-mundista. Hoje, se tivéssemos entretanto deixado de ser a Cuba ou a Venezuela da Europa, não o estaríamos certamente a comemorar. Abril foi salvo em Novembro. Foi assim que pôde voltar a ser o começo de uma democracia pluralista de tipo ocidental. Mas foi só o começo. Porque ainda foram necessárias as grandes maiorias populares que em 1979 e em 1987 criaram o contexto em que essa democracia passou a ser plena e viável, através das revisões constitucionais que, em 1982 e em 1989, liquidaram a tutela militar e a estatização da economia. Falar do 25 de Abril devia consistir em falar de tudo o que o tornou uma data que faz sentido celebrar numa democracia integrada na União Europeia e na NATO.

Falar da democracia deveria, pelo seu lado, consistir em falar sobretudo do que define  uma democracia: a estrutura institucional que garante as liberdades, a começar pela liberdade de expressão, o pluralismo político, e eleições livres e justas. Essa estrutura institucional permite vários desígnios, desde que legitimados pelo voto. Foi o que aconteceu. Em 1976, a democracia portuguesa estava “a caminho do socialismo”; em 1986, “rumo à Europa”. A Constituição, depois das grandes revisões de 1982 e de 1989, não é a mesma de 1976. Isso resultou do debate e do voto. Temos de aprender a falar da democracia tal como ela é: luta política envolvendo todos os cidadãos no quadro de um Estado de direito e de um sistema representativo, e, enquanto tal, mudança e contradição.

Por isso, não falamos de democracia quando comparamos as estatísticas de 2024 com as de 1974, e louvamos a democracia pelas diferenças que nos agradam. Sim, a sociedade portuguesa mudou muito entre 1974 e 2024. Mas também tinha mudado muito entre 1924 e 1974. Os dirigentes do Estado Novo também, a esse respeito, se davam por muito satisfeitos: Portugal era, em 1974, mais próspero, mais urbano, mais instruído, e mais saudável do que tinha sido em 1924. Mas é tempo de aprender que uma democracia não se justifica como uma ditadura, com umas quantas estatísticas. Não, não pretendo fazer o elogio da miséria em liberdade. Uma democracia não dispensa ordem e prosperidade. Mas justifica-se pela liberdade, pelo Estado de direito e pelos meios que dá aos cidadãos a fim de escolherem as soluções políticas mais adequadas para obterem segurança e bem-estar e realizarem os seus ideais de vida. A democracia não é tudo. Mas o resto não tem o mesmo valor sem democracia.

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