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A passagem na JS, o email liberal e a oposição de Rui Tavares. Paupério, o candidato que fintou o “trabalho chato” para chegar ao topo – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 27, 2024


Francisco Paupério não quis passar 15 anos a abanar bandeiras de um partido para chegar onde sabia que seria força útil. Percebeu isso depois de três reuniões na Juventude Socialista, onde se deparou com uma formalidade “excessiva” e a perspetiva de uma escalada política sem cume à vista. Há um ano, quando passou a ser “candidato a candidato” do Livre, já admitia, no programa “A Minha Geração”, que a sua filiação partidária no partido de Rui Tavares tinha sido impulsionada pela vantagem de poder fazer campanha interna (e externa) às primárias abertas que lhe abririam a porta da Europa. Foi isso que fez. Agora, depois de ser eleito cabeça de lista do Livre, quer chegar a Estrasburgo, mesmo que a sua eleição tenha deixado marcas internas.

O biólogo, especializado em bioinformática, chegou ao Livre como candidato em 2022, a concorrer às Legislativas antecipadas, precipitadas pelo chumbo orçamental do PCP e Bloco de Esquerda ao PS. Só depois disso se filiou no partido que, por essa altura, contava apenas com a representação de um deputado único, Rui Tavares. Paupério foi o terceiro mais votado pelo círculo eleitoral do Porto nas primárias antes das Legislativas de há dois anos, mas acabou por seguir em quinto na lista de candidatos à Assembleia da República após ser aplicada a paridade de género.

É a favor de atenuar a desigualdade de género, e é até permeável à introdução de quotas para que os jovens tenham a cesso a cargos políticos. Quando participou no podcast Sociedade Z, Francisco Paupério defendeu que mais do que pessoas jovens na política, são precisas “pessoas novas a aparecerem e a ambicionar este espaço e terem estes cargos”, referindo que os “partidos têm que ter esse espaço” para ser possível uma renovação. Foi esse o caminho que o jovem de 28 anos de Leça da Palmeira traçou para si, admitindo que não vem de uma família ou meio social com ligações à política.

Na mesma entrevista apontou as dificuldades em compreender “todos os trâmites legais dentro dos partidos e os regulamentos que eles têm para ir subindo” e criticou a forma como a candidatura europeia é tratada em Portugal. “O que acontece, principalmente no PS e PSD, é que o Parlamento Europeu é a última estação”, afirmou, referindo-se às carreiras políticas. A afirmação perde atualidade com o anúncio da candidatura do seu adversário, Sebastião Bugalho, que concorre pela primeira vez como cabeça de lista da Aliança Democrática às Europeias.

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Paupério apresentou a sua pré-candidatura às primárias do Livre com um ano de antecedência — de longe o primeiro a entrar na corrida — e definiu como objetivo ter doze meses para falar da União Europeia e para lutar por um lugar elegível ao Parlamento Europeu. Poucas semanas tinham passado do anúncio quando participou no campo da juventude dos Verdes Europeus — família política do Livre na UE. Há pouco menos de um ano, Francisco apontava as suas prioridades depois de estar uma semana reunido com jovens de vários países europeus: “Defender a solidariedade e a cooperação sem colocar em causa os pontos que realmente afetam as pessoas: o pão, saúde, educação, habitação e comunidade”.

No Livre, é coordenador do círculo temático da Europa, que promove o debate entre membros, apoiantes e convidados. Há quem diga que “fez mexer a Ecologia” dentro do partido e que surgiu num momento importante em que faltavam quadros técnicos na estrutura partidária. Os fóruns, debates e iniciativas de contacto com a sociedade civil são o palco onde brilha há vários anos, há muito mais tempo fora do que dentro do Livre.

“Percebo que seja difícil para alguém que trabalhou 40 anos para um partido de repente chegar alguém que nunca esteve e que passa à frente, mas são cargos diferentes”, admitiu numa das ocasiões em que promoveu a sua candidatura, afirmando que o cargo de deputado “adequa-se a quem tem competências técnicas e específicas”, sendo um lugar para o qual nem todos são talhados. “Como nem toda a gente é feita para andar na rua a abanar bandeiras”, acrescentou, lembrando que não se juntou ao Livre para militar, versão corroborada dentro do partido, onde se admite que Paupério “não gosta do trabalho partidário chato”.

O cabeça de lista é descrito como “low profile”, pouco interventivo em disputas internas, mas empenhado em iniciativas que envolvam a sua área profissional e o ativismo jovem. Ao contrário do que a polémica que envolveu a sua eleição possa dar a entender, não esteve, pelo menos até agora, do lado da oposição à direção do Livre e à figura principal do partido: Rui Tavares. Mesmo que exista a ideia formada de que esta oposição o tentará puxar para seu lado, seja, ou não, eleito eurodeputado.

Francisco nunca escondeu a paixão pelo associativismo jovem, que é revelada no rol de projetos que integrou ao longo dos anos. Em novembro de 2020, integrou “Os 230”, um projeto de promoção da democracia que definiu como objetivo entrevistar todos os deputados da Assembleia da República. Faz parte da comunidade LIDERA, que reúne jovens ativistas na área ambiental e também da associação “Próxima Geração” que se apresenta com o objetivo revitalizar a democracia portuguesa. Há elementos em comum aos projetos, todos têm aparentemente uma base apartidária e todos têm como público-alvo os jovens. Jovens que se promovem mutuamente nas diferentes plataformas em que se movem, sejam elas meios de comunicação social, partidos políticos ou outros movimentos da sociedade civil.

Dentro do Livre, as ligações de Paupério ao associativismo não são vistas com algo necessariamente negativo, mas acabaram a trazer um gosto amargo às primárias. “Ir buscar votos lá fora não é mau, nem pertencer a grupos da sociedade civil”, aponta fonte próxima da direção do partido. O caso mudou de figura quando o “candidato a candidato” causou desconforto por ter, alegadamente, angariado votos de vários membros externos ao partido nas primárias que definiram a escolha do cabeça de lista do Livre às Europeias. A comissão eleitoral chegou a restringir a votação da segunda volta a filiados no partido por ter existido um número elevado de eleitores que, na primeira volta, votaram apenas em Francisco Paupério, escusando-se a ordenar a restante lista que o partido levará a votos a 9 de junho.

O caso acabou com o partido a considerar legítimo que os candidatos em primárias abertas procurem mobilizar os seus eleitores, “muito embora o exercício do direito de voto nas primárias abertas deva seguir a lógica de ordenação de uma lista de candidatos, ao invés da escolha de um cabeça de lista”. É quase certo, por tudo isto, que os regulamentos do Livre sejam alterados após o ato eleitoral para impedir a repetição de uma situação como aquela que levou o partido a receber acusações de autoritarismo e de tentativa de ingerência num processo que foi o próprio Livre a definir como aberto.

Em declarações ao Observador, no momento em que a decisão foi revertida, Paupério disse que iria guardar “todos os comentários para o final das votações da segunda volta”. A intenção era “não criar ainda mais ruído” no processo eleitoral, mas os comentários nunca viram a luz do dia e o cabeça de lista manteve a discrição e um discurso alinhado com o partido depois de vencer as primárias.

“É uma honra encabeçar a lista do Livre às Eleições Europeias com a Filipa Pinto e candidatos de grande prestígio. Contamos com todos os militantes e simpatizantes do partido no próximo mês de campanha! É tempo de finalmente levar o partido Livre ao Parlamento Europeu”, escreveu no X, antigo Twitter. O tal desconforto que a sua vitória causou no partido está relacionado com o “desvirtuar do espírito das primárias”, com filiados a verem com maus olhos a possibilidade de membros de outros quadrantes políticos terem interferido na votação.

A subida à montanha chegou ao fim, mas nem todos aplaudiram a técnica de escalada de Paupério. No X, Rui Tavares, porta-voz do Livre, apontou o dedo, sem apontar, a quem desvirtuou o objetivo final das primárias de “ordenar listas e construir equipa”. Os parabéns a Paupério ficaram por dar, tanto por parte do porta-voz como da grande maioria dos dirigentes do partido.

As eventuais ligações de Paupério a jovens de outros partidos e o recrutamento desses companheiros de associativismo para votar nas primárias do Livre, foram mal recebidas por dirigentes do partido que olham, por um lado para a interferência externa com maus olhos e por outro para a impossibilidade de eleger membros com mais anos de casa e dedicação ao partido. Filipa Pinto é exemplo disso — foi a candidata à Primárias mais apoiada internamente, mas acabou em segundo lugar após a última volta das Primárias, que contou com votos externos.

Como referido, o cabeça de lista assumiu publicamente a não filiação a um partido até chegar ao Livre. A formalidade da JS não o convenceu e o segundo partido com que mais se revia era o Livre. Antes de chegar ao destino final, o associativismo e a curiosidaqde permanente levou-o a inscrever-se, numa fase piloto do projeto, no Instituto+Liberdade, fundado por Carlos Guimarães Pinto, atual deputado da Iniciativa Liberal.

Confrontado com a notícia do Observador que revelou esta informação, Paupério negou alguma vez ter sido membro do +Liberdade, mesmo que o seu nome surja na lista de membros fundadores. “Inscrevi-me no início para perceber o que era, mas nunca fiz lá nada, como é óbvio”, afirmou, garantindo que o projeto “foi vendido como uma associação apartidária em que iam partilhar informação política”, motivo que o levou a inscrever-se.

Assim, quando recebeu o primeiro e-mail do projeto e viu a assinatura de Carlos Guimarães Pinto, decidiu não pagar a quota que estaria associada à inscrição definitiva. “Inscrevi me para tentar saber mais do projeto, porque não havia informação e assim que recebi esse e-mail, decidi não avançar”, clarificou. A exploração liberal ficou por aí, mas as aspirações políticas não.





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